sexta-feira, 26 de junho de 2015

meu nariz em teus cabelos

Ela veio
delicada e acolhedora
como a folha mais cara do melhor papel
e enlaçou-me
com o seu café expresso espiral
com a sua conversa brejeira ao pé-do-ouvido
com o seu estilo de lady inglesa/tupiniquim
Ah! o que fizeste de mim?
contigo há o perigo das horas calmas
eu contando as pintas peraltas de tuas costas
brincando com as tintas de tua music bossa
deixando-me ser barbeado por suas mãos ensaboadas
lembrando-me de ser gente
curando os meus secretos cortes
assim montando adoidado na garupa da sorte

H. L. C.

Da série "de quando minha casa era o teu ateliê"

os dois

Escrevo em papel de pão
como só antigamente se fazia.
Em papel de pão
Decalco a tua mão
nesta noite quente
e a pego de presente.
A tua voz não preciso decalcar.
Já vive em mim, nestes dias.

H. L. C.

Da série "crônicas incertas de amor"

quinta-feira, 25 de junho de 2015

talvez açúcar

Menina grande
no meio da tarde
tuas doces mãos
envolvem o meu coração
linda assim
com tuas vestes leves
e tuas alpercatas
pacas!
o teu corpo um continente
e eu o teu bandeirante
a explorar o teu sertão
as tuas matas
e os rios que brotam do teu interior
sou mil animais selvagens a cavalgar no teu ventre
sou o "quero-quero" a cantar singelo
a fazer-te contente
menina grande do nome pequeno
talvez amanhã
outra vez deitado no teu colo
plantarei em teu continente
a imprudência da palavra "permanente"

H. L. C.

Da série "crônicas incertas de amor"




Bom e incerto

o sorriso
no rosto desejado e querido
o abrigo encontrado pelas mãos amáveis
no quadril
da amante gentil
a soluçar os olhos fechados em confissão viril
o universo
traduzindo seu infinito
em descargas elétricas
os aromas da natureza
nas formas da beleza
os seios médios
o abdômen reto e comprido
as pernas longas
e os espasmos do quadril gentil
desejado e querido
abrigando
as descargas elétricas em confissão
ao universo

 H. L. C.
Da série "crônicas incertas de amor"

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Assim como mulheres em notas de rodapé

Amores grandes
dão poemas nanicos:
nanopoemas.
Amores-problemas,
esses fodem poemas compridos:
poemaslibido.

H. L. C.

Da série "carbono 14"

bilhete em garrafa

Já fui artista.
Hoje, sou otorrinolaringologista.
Mas também podia ser hipopótamo;
Ou pato;
Ou barco;
Ou tapete persa.

H. L. C.

Da série "meus poemas quase-póstumos"

"arriscoso"

Pobre Arlequim!
Comeu tanto alecrim
que vestiu-se de Pantaleao
e errou a festa...

H. L. C.

Da série "meus poemas quase-póstumos"

quase perto

Esses versos
perversos
são feito a cola
que já não segura
o retrato velho no papel parede

H. L. C.

Da série "meus poemas quase-póstumos"

recorte

Tenho andado em colóquio
com mil mariposas marcianas,
nesta semana.
Trazem-me notícias do povo de Marte,
que em boa parte,
adora chocolate
com conversa fiada
e churros ao doce de leite.

H. L. C.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Garotinha de trinta anos 2

Pálida, mas sensual como Tina Turner aos trinta anos.
Pálida, mas com o sorriso de Tina Turner.
Pálida, mas com o timbre de Tina Turner.
Pálida, mas com as pernas de Tina Turner.
Pálida, uma branca meio que Tina Turner pálida.
Rindo de mim feito uma Tina Turner.
Uma Tina Turner.
Assim, um diabo.
Não sei que diabo ela me faz.
Não sei que diabo ela me fez.
Essa garota pálida.
Uma garota pálida.
Mas, sensual como Tina Turner aos trinta e dois anos.
Essa garota branca. Aqui, ao meu lado.
Com as pernas de Tina Turner.
Como a bagunçar a pontuação do meu texto.
Com essas pernas nuas, suas, de Tina Turner.

P/ Milene.
H. L. C.

olhada em preto e branco

Moça dos lábios finos,
se antes éramos meninos,
agora trintões
já somos,
e em comum apenas restaram-nos
em nossos botões
os pensamentos de quem juntos um dia fomos...
Esses lábios finos teus que outra vez aparecem...
Já não me carecem.
Deles já não careço.
Já não me causam efeito.
E, não obstante todos os nossos defeitos,
moça dos lábios finos,
não temos, tu e eu, tempo para fotos em preto e branco.

H. L. C.

Da série "carbono 14"

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Duas palavras a uma paloma

Há tanta poesia
no gosto do teu sexo,
que eu,
perplexo,
sorrateiramente dobro a esquina da gramática
para escapar de te dizer
palavras que não serão...

H. L. C.

domingo, 21 de junho de 2015

curriculum vitae

Tenho 31 anos.
Sou pobre.
Tonto.
E barato.
Por vezes, palhaço.
Por vezes, me faço.

H. L. C.

at times

tu
tragada
pela garganta-sem-volta
do niagara falls
era um dia de sol
tudo o que sei

H. L. C.

da série 'meus poemas quase-póstumos'

Cigarros na janela do 8º andar

Pensamos juntos em liberdade
Aquela liberdade das cinzas
que se desprendem das pontas dos cigarros
ainda acesas
e arrebatadas pelo vento
desaparecem no ar
para daí voltar
em algum lugar
em fogo vivo

H. L. C.

ponto seguimento

Os olhos da moça
de terninho
azul marinho
constroem um arranha-céu
de sedução
sobre a minha cabeça.
Ai de mim!
Meu terrível medo de alturas...

H. L. C.

Qualquer coisa

Tenho comido
deliciosas sopas de esperança,
agora que aprendi a ter pança.

H. L. C.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Garotinha de trinta anos

De súbito.
Ela, um súbito.
Uma coelha de pernas longas.
De traços longos.
Pintada em nanquim.

H. L. C.

p/ Milene

Cervejas alemãs e costas rabiscadas

A folha de papel em branco
desabou em pranto
Pois eis que a paloma pequena
Resolveu não voar para Terena
Decidiu ficar
E comprar um pote de doces coloridos
E comê-los todos
como a brincar de ter um marido
Que achasse graça de ela achar graça em gostar de presentear meias coloridas
Pois vestida em meias coloridas
Ela escreveria até centenas de rabiscos
Jogaria o guarda-roupas pela janela
E livrar-se-ia dos duzentos pares de sapatos desconfortáveis
E descobria até quem sabe o agridoce de viver a própria vida

H. L. C.

domingo, 14 de junho de 2015

Quase-inverno

No deitar do sol
ela surge.
Sempre com um
Buquê de coisas para contar.
E eu logo tranco, no meu baú de ferro, toda a matilha de adjetivos que ela provoca.
Salvo-me, assim.
Para mais adiante morrer.
Uma.
E outras vezes.

H. L. C.

mise-en-scene

Tuas pernas nuas
pelas ruas
a contar do filme visto no cinema
do roteiro feito para daí loguinho
uma garrafa de vinho
e tuas argolas já perdidas
no oculto da cama

H. L. C.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Escadaria

No domingo, correremos na praia pela manhã
Mais tarde, a verei maquiar-se para mim
Ela que tem olhos de abelha
Ela que chora perfume
Ela que gosta de viajar de metrô enquanto faz croquis de pontilhismo
Ela que gosta de anúncios publicitários com interrogações
Ela que tem unhas quase pintadas de café
Ela cujos olhos jamais estão monossilábicos

H. L. C.

Don't be afraid of me

De noite, atravessarei os muros de tua casa
E terei tudo de ti
E entenderei mais dos teus olhos
Por que há tanto açúcar neles?
Tu me ensinarás a te despir de todas as peles
Eu atravessarei como nunca os muros de tua casa
E depois, te levarei a passear de barco pelo lago
E não terás medo
Andaremos pela tua cidade cinza
E não permitirei que nada te atropele
Andaremos por todas as ruas
Ruas abarrotadas de carros antigos
As ruas da tua cidade cinza
O que pensas de tua cidade cinza?
Entrarei contigo na pequena igreja do teu povo
Lá onde existe um velho padre parecido com Einstein
E assistiremos comendo pipoca aos casamentos de quinze casais
Depois, chorarei ao teu colo
E pedirei teus afagos
Porque tens muitos afagos
E abraçados nos beijaremos no bosque
E eu voltarei a sorrir
E, já mais tarde, novamente estaremos sobre o lago
E eu sempre irei além dos muros de tua casa
Velarei o teu sono, vestido de cavaleiro medieval
E admirarei teus cabelos soltos partidos ao meio
Enquanto sonhas
Com a tua cidade cinza

H. L. C.



terça-feira, 2 de junho de 2015

Linhas aéreas

Meia noite.
Três garrafas de vinho formam uma orquestra.
Ouve- se "shadows in the night".
Ele (brincando de ser Bob Dylan) - "stay with me".
Ela (cheirando a Janis Joplin) - "piece of my heart".
Sentados no píer, os dois, balançando as pernas no ar.

P/ Paloma
H. L. C.

Da série "meus poemas quase póstumos"