quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

"tu sais, je crois qu'il va pleuvoir"

final da manhã.
Isabel cuidando do seu jardim.
usava camisa manga-longa-de-botão e jeans
dobrado até a metade das "canelas".
enfim, ali estava ela:
de terra tinha as mãos cobertas,
alguns pontinhos de suor desciam-lhe pela testa,
cantarolava baixinho, quase imperceptível, alguma canção.
foi o primeiro dia que a vi.
instantes depois, chovia muito.

H. L. C.

da série 'Isabel'


terça-feira, 27 de dezembro de 2016

o relógio de Isabel

ela é tão Isabel
e quando quer uma coisa
olha-me com seus olhos derramados de mel
ela é a mais doce Isabel
seu rostinho magro
seus olhos luminosos
seu cabelo chanel
Isabel
que leva tudo ao pé da letra
nunca se esqueça
de mim

H. L. C.

da série 'Isabel''

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

carta em linha reta a Fernando Pessoa




caro Poeta de rosto engraçado,


como te tens saído com este inverno, que dizem danado?
outro dia, não faz muito, topei-me no meio da rua com um conhecido teu e meu.
sujeitinho desagradável, desses tipos que nem respira, fala de si próprio apaixonado e sem parar.
poeta, tu que tens andado na boca de tantos,
que tens sido tão péssima e porcamente compreendido,
que tens despertado falsos intelectuais e fúteis alaridos,
como te encontras, 
animado?
aborrido?
espero que estejas bem!
e um muito bom frequentador da tabacaria!
moreover, a quanto tempo não vou eu à tabacaria.
bom, nem vou contar-te do Fidel.
bom, tu também não te importarias.
ouviste falar do Trump? este dizem que é leitor daquele poetazinho... o chileno... como é mesmo o nome...
ah, sim, como não, o Neruda. agora, estão parindo filmes do Neruda por todas as partes...
mas, tu também não te importarias...
ô, Pessoa... tenho eu pensado em aderir a estes óculos redondinhos...
no início achava-os jocosos em demasia,
depois, meio afeminados...
bom, hoje já tempos passados,
vejo que eles tem um aspecto que confere um certo caráter de eloquência, que produz sucesso certo,
como diria o Nelson Rodrigues: "sucesso batata".
tenho pensado em ir a Lisboa, ô, Pessoa.
ah uma nova fadista, da mouraria,
mas, lá com isso tu também não te importarias.
aqui, no brasil, vamos num calor da zebra...
by the way, estamos todos na letra "z", aqui no brasil.
o preço do vinho do porto, p. ex., com o aumento da carga tributária, foi a estratosfera.
mas estas bobagens todas não tem a menor importância, ô, Pessoa,
o que importa realmente é a tua poesia.
mas, depois dos leitores que tens angariado pelo mundo,
já lá nem sei se com ela tu te importarias.
meu dileto poeta de tantas alcunhas, aqui eu faço minhas despedidas,
alertando-te que devias
diminuir um bocadinho das tuas mil manias, 
pois,outro dia, 
ouvia certa médica asseverar 
que estas coisas dão refluxo, gastrite, azia!
adeus, até mais ver!
au revoir!

H. L. C.

da série 'cartas aos poetas amigos'





sábado, 24 de dezembro de 2016

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Who's Tilim Tim?

lábios finos
pequenininhos,
da fadinha Sininho,
no espelho a maquiar-se.
cuidado com a chuva, Sininho.
vai pela sombra, Sininho.
olha o disfarce, Sininho.
não vai perder a sua candura,
a sua quentura,
no meio do caminho
da terra do nunca.
lá, agora, há um pedágio,
no meio do caminho.
sabia disso, Sininho?
para lá entrar
terá de pagar.
não com dinheiro:
terá de dançar.
terá de cantar,
terá de plantar bananeira,
terá de contar
um milhão de deliciosas mentiras sem piscar a sobrancelha.
tente, doce Sininho.

H. L. C.





terça-feira, 20 de dezembro de 2016

contando bazófias e gabarolices

ah, cidade bizarra!
cidade gambiarra.
cidade algazarra.
cheia de chafarizes
vazios/ ou cheios de pobreza e água suja.
qual a finalidade
de uma cidade
ter uma praça chamada piedade?,
que dá num beco chamado rua da forca?
cidade louca/
cidade pouca/
cidade rouca/
cidade presa
cidade vesga
cidade lesma
ah, cidade
cidade baixa
cidade alta
cidade velha
cidade chinela
cidade só nas telas das aquarelas
espera?
esperar mais o que, cidade?
cidade sem bondade
cidade sem verdade
cidade chucra
cidade puta
cidade?
apaguem as luzes sem alarde,
por favor.

H. L. C.

da série 'últimas poesias'

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

maybe so nº 2 ou anche la dolce vita

trililili-trililili-trililili
trililili-trililili-trililili
a essa hora?
a essa hora?
trililili-trililili-trililili
trililili-trililili-trililili
trililili-trililili-trililili
trililili-trililili-trililili
perdeu a hora?
já me vou embora!
quer café?
chove lá fora.
banana frita?
isso me irrita.
o café? a banana frita?
o barulho da bica.
que dia é hoje?
primeira-feira!
ah, é... a...a....tchinchin!!!
sétima-feira tenho compromisso.
você quis dizer: temos compromisso?
isso.
tipo isso.
será um risco.
será um riso.
chove muito, lá fora...
quer café?
isso me irrita!
o barulho da bica...
perder a hora!
café?
passa a colher.
eu tive pensando...
... ciau!
... ciau!

H. L. C.

da série 'carbono 14'


sábado, 17 de dezembro de 2016

receita

o verdadeiro amor
não carece de perguntas:

tu não me perguntas nada.
eu não te pergunto nada.
nos beijamos, e pronto!

o dia amanhece...
seguimos juntos a vida...
tu não me perguntas patavinas.
eu não te pergunto carambolas.
nos beijamos, pelos anos afora,
e pronto!

compreendes?
só os tontos perguntam...

H. L. C.

da série 'últimas poesias'

interjeição

vivi na tribo.
mas, não era índio.
vivi entre os quase-ameríndios,
do recôncavo cigano.
e, neste ano,
jogaram-me na chamada civilização.
o costume da tribo, contudo,
deixou-me a cabeça torta.

H. L. C.

da série 'últimas poesias'

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

maybe so

perdeu o avião.
não veio.
chegará daqui um mês.
talvez.
mas, disse - quem sabe amanhã chegará?
ou depois?
que tem muito ventado por lá.
que a chuva vem e vai.
que tem ela tido muita pressa.
que lá, o inverno promete
ser daqueles.
de congelar os "ais",
dos casais.
"sem mais."
assinou-se.

H. L. C.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

proposição

que a tua face risonha
disponha
da minha face careta
que o teu "achar graça"
ora tímido
ora largo
demova minha atual e aversa mania
de estar afasia
de estar fado
de estar paralepipidado
meu Deus!
ando tão escaldado
que eu nada sei sobre essas coisas todas de árvore-de-natal

H. L. C.

da série 'últimas poesias'

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

advérbios da esquina

não
ainda não é a carta do baralho
não ainda não é o ranger do assoalho
não
ainda não é o pão
ainda não é o cão
ainda não é o chão
ainda não é a imagem da casca da tangerina
levada, ávida, pela correnteza da enxurrada
numa rua do centro de uma capital
não
ainda não é a nau
ainda não é o porrete na mão de um valete
ainda não é a rua do catete
ainda não é o sorvete
de caldo de cana
ainda não é a orelha do livro rasgada
molhada pela chuva da madrugada
pobre Ana
não
ainda não é a rainha
ainda não é o rei
ainda não é o nano
ainda não é a casa da esquina
ainda não é o olhar bobo da menina
a pedir algodão-doce
ainda não é o tintintintilhar dos talheres
ainda não é o chafariz
ainda não é o pé de coentro
apressado a sentir-se tempero
ainda não é a delação do coração
ainda não é a fila do avião
ainda não é o ninar
ainda não é o de-mamar
ainda não é o fogo
ainda não é o pescoço da linda girafa
ainda não é a coleção de garrafas
ainda não é a matilha de gente
toda igualzinha com a mesma cara
ainda não é o aconchego da tardinha
ainda não é a cultura
ainda não é a sutura
ainda não é a banda
a xanda
a métrica
o método
ainda não é o ainda
aunque não seja o ainda
ainda que não seja a pequena velhinha
a pequena velinha
a pequena sozinha
não
ainda que não seja a verdade
o tempo segue
segue leve como a casca tenra da tangerina
flutuando pela enxurrada
ainda

H. L. C.

da série 'últimas poesias'





dia normal

o dia amanhece
e bem cedinho
de mansinho
lá vai ela desfilar
na calçada de pedra portuguesa
que leveza
essa menina
amarela
magrela
como é bela

H. L. C.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

que vinha do céu

hoje,
apenas uma estória afável.
o gosto da fruta-chocolate.
o malte.
as borboletas.
dois lances d'água, formando um arco-íris.

H. L. C.

da série 'últimas poesias'

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

posfixo

e então,
ela me disse que gostara muito da frase,
gostara muitíssimo da frase,
porque a frase era incapaz de criar
qualquer imagem,
era incapaz de criar qualquer imagem:
era uma frase nua.
arrependeu-se.
consertou-se.
 - que bobagem eu disse., corou-se.
eu já não estava lá.
isso eu soube depois.
 - de quando em quando podíamos falar?, bradou ela.
farei uma viagem. penso em fazer uma longa viagem, redargui-lhe eu.
 - sei aonde vai... sim, sei aonde vai..., corou-se, novamente, inquieta, depois absorta.
de tempos em tempos em vou, você sabe. eu já contei-lhe que tive, uma vez, uma poesia
e a perdi, mesmo tentando segurá-la, avidamente, pelo rabo?, inquiri a ela, de súbito.
- e poesia tem rabo?, interessou-se, bebendo coca-cola.
(muito enfático) sim. as que se parecem com estrelas do mar tem, sim.
- sei aonde vai..., recomeçou, de olhos fechados. depois abertos. depois fechados, piscando.
de quando em quando eu vou, você sabe., olhei pro lado oposto e finalizei.
ela sentiu tristeza. mas disso, eu apenas soube muito tempo depois.

H. L. C.

da série 'últimas poesias'




no tempo das cerejeiras

oh, céus!:
a vida estranha.
tudo culpa da latrina do Duchamp.
latrina do Duchamp.
latrina do Duchamp.
nunca mais conversei com Beckett.
nunca mais falei a Tchekhov.
frases, frases,
todas as frases, agora, serão tão vazias quanto aquelas
de Liev Tolstói?
Nicolai, Nicolai... Gogol, Gogol, vamos tomar um bom vento na cara, Gogol!
Turgueniev, ah, Turgueniev, tens o único sorriso no qual acredito, Turgueniev.
Allan Poe, seu Kafka de calças curtas...
Kafka de calças curtas...
Kafka de calças curtas...
Talvez Nabukov, sim, Nabukov e Wilde, aquele exótico,
nos ajudassem a superar esses tempos tão birutas...
qual a melhor idade para um homem morrer, Anton Pavlovitch?
tu es um excêntrico. sim.
sim, excêntrico!
um excêntrico mascate de palavras.
sobre a minha pergunta, de outro dia...
responda minha pergunta, Anton Pavlovitch.
saiba que aquela obra tua me causa imenso horror.
me destroça a alma.
como o tempo destroça a alma, Anton Pavlovitch.
ah, o tempo destroça a alma.
o tempo que destroça a alma.
o que terá passado com Maiakovski, aquele pequeno filho da Georgia, Anton Pavlovitch?
eu queria tocar piano, agora, Anton Pavlovitch,
queria dizer que o ar está puro e que a tempestade passou.


H. L. C.

da série 'últimas poesias'

domingo, 11 de dezembro de 2016

poema essencial

as manhãs de domingo,
todas as bonitas manhãs de domingo,
deviam ser batizadas
com o teu nome.
sem pressa:
é manhã de domingo...
sem pressa:
é manhã de domingo...
sem pressa...
é teu cheiro,
no cheiro de todas as bonitas manhãs de domingo...

H. L. C.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

carpida, dorme ou Bonaparte vai te pegar...

bebendo instrumentos musicais
bebendo cinema
bebendo blues
bebendo Balzac
bebendo os anunakis
bebendo a biblioteca inteira
de um só gole
aí vem a garotinha curiosa
carpida
cismada
brava
cheia de vida
perguntadeira
feito o diabo
em noites de luar

H. L. C.

da série 'últimas poesias'

rabiscando

qualé o pretexto do poema?
qualé o enredo do poema?
qualé a personagem do poema?
qualé a cor do poema?
qualé o tom do poema?
qualé a cadência do poema?
qualé o leitor do poema?
qualé a primeira palavra do poema?
como vencer o nó, no meio do poema?
como findar o maldito poema, que empaca
ou dispara desembestado?
é melhor parar por aqui, ou seguir
pela página ao lado?
como saber se o poema é poema,
e se vale a pena?
"é muito simples",
diria Ferreira Gullar:
"haverá poema...
se houve o espanto".

H. L. C.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

bilhetinho em guardanapo, após o jantar

amor de perigo abstrato
amor-quase-fato
amor em 5 Atos
com prólogo
epílogo e tudo
amor casto
amor gasto
amor chato
["Amor", eu parto!
farto.]

H. L. C.

da série 'últimas poesias'

etimologia

o prefixo "ana"
significa "não"
ana de não
ana
de amor anão

H. L. C.

da série 'últimas poesias'

prontuário

ando tonto
ermo
enfermo
de coração lipoaspirado
estafermo
estive na banca de jornais
pois antes fui jornaleiro
pela manhã
pela tarde
pela noite
fui jornaleiro
e nem mais há revistas
caminhei perdido pela pista
sem pista
sem notícias do alquimista
que triste
que chiste
a gaiola sem pássaros
não vendem mais alpiste
nestas paragens
achei uma passagem
secreta
alerta:
tsunami.

H. L. C.

da série 'últimas poesias'


quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

sobre "moonlight sonata", em dias de pés descalços

carta minha, d'outro dia, ao Sr. Ludwig van Beethoven:


[Indispensável poeta,
há uma mulher,
chamada "Vida",
que manifesta imenso apreço por uma de suas sonatas.
podia-se mesmo dizer que,
a dita mulher,
é a encarnação da dita sonata.
ao entardecer,
ou mesmo no amanhecer,
sempre ouvindo sua música,
com uma taça de vinho
ou uma caneca de café,
a estranha mulher
cala-se
com o olhar perdido,
no longe do mais longe;
seu espírito parece escapar
pelas extremidades dos dedos e dos lábios.
liberta-se por um quarto de hora;
vai a terras e céus distantes;
ao depois, quando retorna,
pergunta-me "o que é a vida?"
e eu, que posso eu dizer a ela, 
senhor Beethoven?
silencio, apenas. 
nunca fui bom com essas coisas de palavras.

Ass: H. L. C.]

da série 'cartas aos poetas amigos'

sábado, 26 de novembro de 2016

roleta russa

tuas pegadas desenham
cifras musicadas
pelas calçadas
todo-o-mundo
pára a olhar-te
já tarde-à-noite
es como a pétala da flor
pequenina e delicada
grávida de liberdade
gozando do orvalho prometido
na certeza de na manhã seguinte
voar ainda mais solta
e longe
tuas pegadas
são como o dedilhar sereno, certeiro e estupefato
do gênio sobre as teclas do íntimo piano
tuas pegadas
te levam a um caminho
qual caminho?

H. L. C.

da série 'últimas poesias'




quinta-feira, 17 de novembro de 2016

bilhete ou Déjà vu ao contrário

ainda não acabou
sinto que ainda não acabou
da minha sala de aula
vejo a tua sala-de-estar
cheia do cheiro dos meus vinte anos
e do teu jeito de aconchegar
lá se vai o tempo
o tempo
o tempo
o tempo
a nos enganar
onde está beltrana?
lembranças a fulano...
mande um beijo meu a sicrana...
precisamos marcar...
e assim se vai
um livro folheado
uma lembrança pingada
das esquinas andadas
do bar já fechado
lá se foi o tempo
ora volta o tempo
o tempo brejeiro rafeiro
de sicrano
da fulana
dos beltranos
olha a sopa quente
a empadinha
olha a mãozinha dela
mão boba do fulano
olha os lábios dela
no sereno
ela tem um disco
beija bem
é um veneno
e tão quietinha
de pés pequenos
beltrano entrou numa enrascada
sicrana danada
correu pelada
no chão deixou pegadas
um casal de beltranos
contou piadas
pro tempo
lá se vai o tempo
as gargalhadas
de madrugada
a rede de fulana
cheia de veneno
na sacada
olha fulano
diga a beltrana
que há um bilhete
há duas entradas
pra aquela banda
assim chamada
flash back

da série 'últimas poesias'




segunda-feira, 14 de novembro de 2016

carta a Friedrich Sertürner

esta camisa-de-força
patético adereço
que me vestem
e deixo vestir-me
não sei se por apatia
afasia
ou se a mereço
meti-me
meteram-me nesta camisa-de-força
cego numa gaiola-de-loucos
que de loucos não tem nada
são tristes consumidores de vidas e almas
quem dera estivesse eu numa gaiola-de-loucos
mas, vivo perdido morto
nesta gaiola-de-tolos
chamada século 21

H. L. C.

da série 'últimas poesias'

sábado, 12 de novembro de 2016

experimento sobre tintas nº 9

vil poesia
pobre e bonita verdade minha
esta que é tão minha
que jamais ousaria compartilhar
vil disfarce
que devoro
e devora-me
coisa minha
que levo
e sempre a levarei
insignificante
oculta
agasalhada
meu caminho
indesviável
às águas verdes
e calmas
do niagara falls

H. L. C.

da série 'últimas poesias'


paramnésia

nada já
nada já
nada com o que se importar
até lá
uh lá lá
lado de cá
viajar
voar
dançar
sem levar
remédios
cartão de crédito
fones de ouvido
livros
olhos vivos
respiração
nada já
nada já
nada de palavra mágica
apenas voar

H. L. C.

da série 'últimas poesias'

sábado, 5 de novembro de 2016

circundante

hoje é somente tu.
hoje, e daqui mais dez anos,
somente tu.
cristalina.
menina.
folha de papel em branco.
adrenalina.

H. L. C.

da série 'últimas poesias'



segunda-feira, 31 de outubro de 2016

etcétera

havia uma ampulheta em sua mão
era o primeiro raio de sol
animais incríveis saiam de sua boca
não obstante a hora
relâmpagos cortavam o ambiente
aquilo podia ser um labirinto 
mas eu tinha um relógio de bolso
ela vestida de azul
ou talvez ela mesma fosse azul
ou sua pele branca vestia azul
por toda a ponte muitas taças de vinho caídas
em uma das mãos ela levava uma maleta cheia de croquis
o dia parecia amanhecer
e a luz do sol misturava-se ao noturno da sala
e formava um fundo confuso
ela sentada no sofá sobre uma das pernas
seminua
os cabelos cobriam-lhe os seios
a ampulheta ocultava-lhe o ventre
ora ela branca
ora ela noir 
ora cinza
a confundir-se com o próprio sofá
quase a tornar-se um traço borrado de nanquim
eu estava ali e não estava ali
o voz de Aretha Franklin lambia as paredes e o teto da sala
e não era nem dia nem noite
sua pele branca
recortada em carne viva por um refletor elipsoidal
pronta a ser devorada por um cavaleiro de luz
ela com suas asas e chifres
e pés pequenos
havia meteoros vindos de longe bailando no ar
havia anjos azuis de rostos irônicos e divertidos
e ela não queria saber
era dia de ressaca no mar
suas unhas pintadas de café
seu sorriso a divertir-se
com as lembranças das crônicas tolas de um autor chinfrim
e eu olhava e sentia suas pernas e coxas
sentia todo o seu país pálido
mas não me atrevia a adivinhar a cor dos seus olhos

H. L. C.

da série 'últimas poesias'






segunda-feira, 24 de outubro de 2016

capim-limão

teu corpo branco-azul
teus olhos que já não me atrevo a descobrir-lhes a cor
pensamentos-estilete
palavras-isopor
teu corpo licor-rum
cabelos-azeite
tua estória art nouveau
bella femme
de teus olhos já não me atrevo a descobrir-lhes a cor
e me sinto sempre tão idiota ao repetir versos
ainda porque seria tão mais simples
apenas desenhar a lembrança viva
dos teus lábios vermelhos-perolados
beijados
num cantinho maroto
da rua Afonso de Freitas, 188

H. L. C.


noz-moscada

ganhos
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postagens
visão geral
estatísticas
comentários
páginas
visão geral
petrechos
noz-moscada
onde está?
olha lá eu.
onde está?
minha carne queimada?
minha gravata rasgada?
minha madrugada-madrugada?
minha poesia sem lar...

H. L. C.

domingo, 16 de outubro de 2016

maiêutica

o sol em poente.
tu, vestida de branco.
os pensamentos, todos bailando
sob teus cabelos presos.
tens uma música nova.
tu, derramada sobre o banco.
ouvimos.
cantamos...
calmamente.
silenciamos...
pensamos...
é noite.
dois acordes.
os pássaros surgem:
é dia.
meus pensamentos, todos bailando
sob teus cabelos soltos.
tens uma música nova.
tu, te derramas sobre mim...

H. L. C.

ekklesia

estrelinha.
pequenina.
pálida e magra.
de sorriso incandescente de menina.
de cabelos-lisos-negros-joaozinho.
onde arranjaste este batom pimenta?
e estas argolas contentas?
roubei teus olhinhos,
guardei-os dentro de um vidro,
agora transparente e quebradiço:
meu coração.

H. L. C.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

1ª sonata p/ uma moça atrevida

uma gatinha
um "bichinho do mato"
que deseja céus azuis
que baila cheia de alegria
cujo coração pula sobre o meu
mil vezes ao dia
que faz-me lembrar uma velha canção
de um intrépido futuro

H. L. C.

da série 'poesia ao contrário'

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

pipocas aos pássaros

será possível amar dois amores?
pois amo:
o jazz e o blues.
e amo
Tereza e Lulu

H. L. C.

previsão do tempo

ah, rima levada
deixa-me fazer-te de escada
e trepar neste muro
e alcançar a sacada
da casa
de meu amor
que acabou
de raiar o dia

H. L. C.

casualmente

e então ela contou-me
ao ouvido
todos os devaneios
todos os segredos
todos os pecados
de uma vida sem pecados

H. L. C.


domingo, 2 de outubro de 2016

tintas em leves raios de sol

frívola
fêmea
factual
solta
sensual
como a nota principal
do meu jazz predileto
ouvido no frescor matinal
do teu abraço aberto
tu,
aurora repleta
de tantos eternos cheiros
contigo,
tenho tintas,
sou Vincent van Gogh.

H. L. C.

da série 'notícias graciosas'

quase-sábado

pequeno anjo
de rosto tão delicado
cheio de amor estabanado
menina
graciosa
fica!
pois ainda é demanhazinha
ainda é quase-sábado.

H. L. C.

da série 'notícias graciosas'

terça-feira, 27 de setembro de 2016

doce casa

o cheiro daquela cidade
que me invade
o cheiro do teu amor
de tua idade
tomara consiga eu
um dia
traduzir a beleza de teu rosto
em poesia
depois de tantos arremedos de felicidade
ah, essa possibilidade...
de morar em ti

H. L. C.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

da série 'cartas aos poetas amigos'

carta minha, d'outro dia, ao Mário Quintana:



             Mário, carambolas, desculpe a hora!

             É que tive um desses pesadelos miseráveis.
             O que fez-me recordar do sobrado onde, 
em pequeno, moraste!
             
             Sim, aos "fatos":
             Batata que sonhei ser o fantasma da Ópera!
             Que lorota! Já sei o que dirás: - "disparate!"
             E isto ainda não foi tudo. 
conto-te:
             agora que despertei, descobri-me uma paráfrase
             barata
             do F. Kafka:
             olhei-me no espelho:
             pasmei-me:
             que situação:
             sou um maldito pássaro pi-i!
             Mas, Mário, carambolas,
             a essa hora, ocupo-te e trato apenas de mim?
             Afinal, como está o teu resto de inverno?
             Use meias, Mário. Não descuide das tuas meias... 
             piadas!
             
                     Bom, a hora já lá vai alta!
Hoje, me despeço de ti como os russos: 
"dôz dânia, mói daragôi!"
                   
                      H. L. C. salvador, agosto de 2016.
          
             
             

backup gratuito nº 3

compro todos os teus delírios;
ouço todos os teus suspiros;
em plena tarde de um domingo,
sou o teu anjo de todos os teus reclames.
explicação?
não gosto de aplicação em Renda Fixa.

H. L. C.

backup gratuito nº 2

gosto de escrever com tinta preta
sobre papel pastel
ouvindo Ravel
minha inspiração?
às vezes, vem do inferno
às vezes, vem do céu

H. L. C.

backup gratuito

dei de desenhar o teu corpo
em todos os corpos que toco
deveras assim me alimento do que sofro
e já não me importo

H. L. C.

domingo, 21 de agosto de 2016

stoik mujic

pele doce
marquinhas que tem descaminhos
timbre que bebo suavemente
olhos verdes de vidro aveludado
alma de manhã moura/pálida
vestida de violeta
magra
costas nuas
rijo secreto pecado
espetáculo
para o qual comprei todas as entradas
e inevitavelmente bêbado
invado a ribalta
para cuidar do melhor ângulo
do teu rosto escandaloso

H. L. C.



3

meu reino,
que ainda não tenho,
por esta pintinha que tens no queixo,
como estando marcada,
com uma minha marca,
a dizer-te minha.

H. L. C.


sexta-feira, 12 de agosto de 2016

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

res desperdicta

o tempo
o som
o tempo e o som
do som
que deforma o tempo
a fazer tantos outros tempos
tempos sóis
tempos sãos
tempos seus
meus
o som do tempo
de quantas vidas vividas
já perdidas
e renascidas
com os tempos deformados
pelo vento
do som
sempre a beijar o tempo
quantos tempos
quantas mãos
devem haver no tempo
ou tempos
deformados
afagados
pela vida do som
lá estou
vários de mim
tão distintos
maravilhosos e maravilhados
vestidos de tantas vidas
quantas cabem
na infinitude dos tempos
muitos e muitos de mim
paridos pelos tempos deformados
quase perfeitos e acabados
o tempo
todo e qualquer tempo
deformado pelo som
não há espaço
não há tempo
há a vida
o som da vida
em tantos de mim
dos quais não sei nem milésimo de palavra

H. L. C.

jocandi animo

aonde vai a coisa perdida?
aonde vai quem a coisa perdeu?
aonde vão quem e a coisa,
perdidos no breu?

H. L. C.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

pontinhos vivos do coração

tu foste o meu achado.
enfim,
te conheci.
te acarinhei.
te curti.
te sorvi.

H. L. C.

da série 'poesia ao contrário'

dúvidas de uma fadinha a Peter Pan

"dúvidas:
- o que fará para que eu me apaixone por você?
- quer muito mais o que?
- me quer por quantas noites?
- consegue definir saudade?
- tem uma frase: 'o que eu te amo quando eu te amo'.
- pergunta: o que você gosta quando você gosta de mim?"

H. L. C.

da série 'poesia ao contrário'

domingo, 31 de julho de 2016

Ruth

a ruiva
sardentinha
não gosta de andar na linha
não gosta de rima
não gosta de arroz
não gosta de feijão
gosta de azeite
e manjericão
a ruiva sardentinha
é muito curiosa
e até muito prosa
ainda outro dia
perguntou-me como se faz um poema
e eu disse-lhe que não sabia, não
por isso, como de praxe,
corou-se
intrigou-se
e insistiu em saber, então,
como é,  às vezes, falar dessas coisas do mundo
e das coisas do coração
e eu, já apressado,
confessei-lhe:
- ô, sardentinha,
não sei nada disso, não.
até mais tarde!,
e não se esqueça de comprar o pão.

H. L. C.


sábado, 9 de julho de 2016

versinhos de ninar

de todas as cores
quero teu amor
pra rimar com flores
mas, devagar com o andor
vê que esse meu jeito de olhar pra ti
nada quer dizer
se não gostas de mim
te mando esta canção
feita sem vagar
que tanto quer dizer
mas, pouco vai falar
vontade de ir, então
então, vontade de ficar
talvez, eu seja assim
e tu tenhas razão
não sei ser namorado
estando apaixonado
eu que pensei em fazer uma valsa
meio engraçadinha
perdi todas as caixas
de minhas aspirinas
e saí-me com este fado
fado-de-brincadeirinha
pra arrancar um sorriso teu
que rime com todas as flores
de todas as cores
a dançar com o sorriso meu

H. L. C.

poema suicida

como instiga
essa minha amiga
com rostinho magro
delicado
a despedir-se
indo ao Recife
disse que volta
aposto que volta
e pra ficar.

H. L. C.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

pensando alto

que mulher estúpida!
e magra
e pálida
e de olhos verdes
que mulher!!

H. L. C.

sinais

o amor
que acorda logo ao de manhã cedo
a ir comprar jornais
sonhando com a casa do cais
amor-arvoredo
sem medo

H. L. C.

domingo, 3 de julho de 2016

9 passos

éramos notas dispersas
motivos distantes
melodia afônica
arranjos perdidos
hoje: somos Pink Floyd

H. L. C.

é

nasce a luz mansa da manhã de domingo
enquanto os búlgaros olhos verdes dela
ainda estão dormindo...
pois ao longo da noite, foram como faróis
guiando o marinheiro do inverno à primavera...
agora,
sob a aconchegante aurora,
o seu corpo lívido
desenha entre os lençóis brancos
doces montanhas e vales de aromas floridos...
pássaros suavemente iniciam a cantar, vívidos
o seu mundo saboreia a boa preguiça do despertar...
e faz-se o sol...
e ela chove, delicadamente...
e o café torna-se almoço.
sem pressa.


H. L. C.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Candice

Candice....
nesse disse-me-disse,
os olhos de Candice
a me aparecer...
à beira do mar,
a rir-se de mim,
a me abusar...

Candice...
e seu vestido florido...

Candice...
à porta de casa,
a despedir-se de mim,
a acenar,
a dizer-me:
"benzinho,
até loguinho. vou ali!
pode esperar.
pode esperar.
pode esperar."

H. L. C.

Da série 'carbono 14'

quarta-feira, 15 de junho de 2016

bule-de-chá

noite de chuva,
ela em meio aos livros
a ler e a trabalhar.
agasalhada.
cabelos soltos.
pernas de óculos na boca.
armada de sua caneca colorida
e de seu bule-de-chá florido
de pequenas flores campestres.
ela é uma rima rupestre.
rima abusada.
estacionada
no meio do meu melhor poema,
cujo título é:
"não quero te mandar às cucuias".

H. L. C.

da série 'natureza viva'

segunda-feira, 13 de junho de 2016

amor-amor

o amor,
tímido a trazer-me sanduíches no trabalho.
o amor,
doce e pálido.
teu amor,
gentil como o orvalho.
amor que não mereço,
a trazer-me tortinhas de café.
deste teu amor-amor, mulher,
tanto careço.

H. L. C.

da série 'natureza viva'

instantes

tu e eu
saídos por aí
vestidos de óculos grandes e engraçados
beijando em elevadores
disfarçados
comendo os instantes
amantes

H. L. C.

da série 'natureza viva'

tu

tu,
na frente de minha casa,
a mostrar-me o  novo disco.
vestida de branco.
cheia de capricho.
feliz!

H. L. C.

da série 'natureza viva'

sexta-feira, 10 de junho de 2016

que traduz surpresa

encontramo-nos na rua.
trocamos um "oops!"
e de uma interjeição divertida,
se fez surgir uma vida:
ali, começávamos.

H. L.C.

da série 'natureza viva'

quinta-feira, 9 de junho de 2016

tic-tac nº 3

ei, garota amarela.
dá-me um pedacinho de teu amor-aquarela.

H. L. C.

da série 'natureza viva'

chin-chin ou falando ao teu ouvido

o gosto do seu chá
       já
       me leva
    a outro lugar.
    lugar comum.
      será?
      enfim...
      tim-tim!!

H. L. C.

da série 'natureza viva'

natureza viva

o teu olhar se espalha
e espalha o teu corpo
pela ponte
da vastidão
do corpo do outro

H. L. C.

da série 'natureza viva'

estrelinha

hoje vestida de verde
cor de teus olhos
tão doce nome
teu sorriso batom
bastante constante
o teu corpo sem fim
já tão minha
já tão assim
minha Maria

H. L. C.

da série 'natureza viva'

de lampejo

a vida da moça,
que estava em pausa,
criou duas asas
de vida louca.
trocou o adeus por tantos beijos
quantos pode carregar em seus beijos.
é que mudou-se de rua,
apaixonou-se de lampejo...

H. L. C.

da série 'natureza viva'

domingo, 5 de junho de 2016

borboleta

radiante quando pousas em minha mão.
raio de vida.
leve e colorida.
borboleta.
atrevida.
aonde vais agora, depois de teres vindo daquele caule?
de quantos sóis és feita?
satisfeita?
onde arranjaste este cheiro de flor-princesa?
de quem roubaste esta língua-acesa?
que lindo é o teu sorriso-coração.
e teus olhos-verdes-vale.
borboleta lisonjeira.
livre como a nuvem passageira.
hoje, que é feriado,
devias comigo ficar acá,
um bocado...

H. L. C.



sexta-feira, 3 de junho de 2016

pois morreste!

morreste!
que triste...
fizeram de tua bonita casa
um lugar para casamentos.
que lamento!
tudo podias perdoar,
mas não essa traição.
da mansão de outrora,
só restou o retrato do sentimento,
daqueloutro tempo.
hoje, por mais que lá desfilem
fraques e vestidos de gala
dessa  sociedade,
vaidade!
são todos esses corações alugados!
gente?, nunca mais houve no teu palacete.
verdade?, quem já lá a perdeu?
da tua casa, o brilho foi roubado.
as janelas usurpadas.
tornaram os corredores tão frios.
as escadas nuas e escorregadias.
e das árvores, as folhas são secas, tão secas...
não há mais cheiro de terra no jardim,
a grama sintética.
os vizinhos são patéticos,
debiloides,
rejeitos de espermatozoides.
bem diferentes da camaradagem de antes.
na tua casa,
que não é mais a tua casa,
não há mais abraços,
afagos,
café da manhã com suco de tamarindos frescos
e churros... não,
na tua casa não há mais
os "teus" felizes que dormem e acordam
e que, por vezes, no domingo à tarde,
caminhavam até o cinema do bairro.
a tua casa hoje é habitada
em meros pedaços do dia e da noite
por uma gente
pançuda e
suada,
vulgarizada.
a tua casa que antes tocava boa música,
e era eloquente,
hoje é estridente,
o piso que um dia foi de madeira,
é de línguas de serpentes.
a tua casa que era de arquitetura tão bonita,
e que tinha saída para infinitas ruas,
agora está cheia de gruas,
microfones,
bandeiras,
luzes que não são luzes.
a casa que um dia foi tua
hoje é carapuça
que serve a idiotas...
pois morreste!

H. L. C.


quarta-feira, 1 de junho de 2016

composição para não ter ciumes

nada como o sorriso de Ana Maria,
num café,
sentada, tomando café.
o sorriso de Ana Maria, de pé,
no trabalho, tomando café.
nada como o sorriso de uma Ana Maria qualquer,
mesmo que de Ana Maria não tenha nem o nome,
mas só o café.

H. L. C.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

jazz para não voltar


então, disse-lhe:
por favor! por favor!
onde estão os meus cigarros, baby?
pense bem. olhe para mim.
devolva-os. devolva-os.
eu estarei pronto.
sim. indo para casa.
então, disse-lhe:
devolva-os, baby, devolva-os.
olhe para mim.
onde estão os meus cigarros?
estou pronto, baby.
onde estão os meus cigarros?
pense bem, baby.
eu gosto de você livre.
mas, devolva-me os cigarros.
baby, uma nuvem de irritação já começa a pairar sobre os meus nervos.
então, disse-lhe:
olhe para mim.
obrigado, baby.
agora, devolva os meus cigarros.
não! aí já procurei. não estão!
eu estarei pronto num minuto, baby.
em um minuto voltarei à casa.
tenho aqui algum trabalho para a madrugada.
e uns rabiscos, coisa tola.
eu gosto tanto de você livre, mas,
onde estão os meus cigarros?
baby, uma nuvem de irritação já começa a tomar conta dos meus dedos.
então, disse-lhe:
quero lhe levar às alturas, baby.
agradeço sua preocupação.
mas...
aí, já procurei.
aí, não estão.
então, você quer acabar com todos os meus sonhos, baby?
hoje à noite, eu lhe levaria às alturas...
então, você tem um sonho, garota?
onde estão meus cigarros?
então...
vamos...
já num instante estarei em casa, baby.
tenho uns rabiscos tolos aqui nos bolsos.
agradeço a preocupação.
você já teve um sonho tirado de você, garota?
então,
devolva-me.

H. L. C.

da série 'carbono 14'


domingo, 29 de maio de 2016

bons sonhos, matrioska!

fim de tarde
frio da tarde
ela maquiando o rosto branco
tem os cabelos soltos
tem as suaves chamas nos olhos verdes
tem a pele doce de nectarina
e a fome espontânea de uma menina
quer sopa
quer pão
quer vinho
quer carinho
quer esquecer dos jornais
dos sites
das redes sociais
de todas as formas de hipocrisia
e da gente boba
quer fazer amor ouvindo Aretha Franklin
e quer dormir quentinha e quietinha
e sonhar que é a menor das matrioskas
dentro de dez outras matrioskas
protegida.

H. L. C.

da série 'carbono 14'

sábado, 28 de maio de 2016

9 martelos

'tudo ao seu tempo,
ô, guri!',...
dizia-me o velho,
do alto de seu castelo.
... 'não vês o clero? e o Agnelo?
tudo compraram de ouro amarelo!'...
 - e eu? que farei eu, velho?
... 'tu? continua aí,
com teus 9 martelos.'

H. L. C.

da série 'meus poemas quase-póstumos''

gracejo nº 2

Maroca
velhinha coroca.
que não gosta de mim.
nem de rima.
só de pipoca.

H. L. C.

especialmente

como dantes,
vamos passear
num lugar qualquer.
comer pão-de-alho
num lugar qualquer.
depois,
vamos ao teu playground,
até noite bem tarde,
conversar,
sonhar,
calcular formigas voadoras.
resgatar duas crianças na casa-da-árvore.
tomar chocolate.
e curar as feridas
com mertiolate.

H. L. C.

da série 'carbono 14'

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Знаю, красавица!


do teu dia.
dos teus patins
no meio da floresta,
quando em pequena.
de como nasceu tua estúpida beleza
vestida de couro james dean.
do buquê de flores azuis.
do teu vestido preferido justo ao corpo.
do teu doce rosto descarado.
do sorriso ora atrevido, 
ora envergonhado.
da coleção de guardanapos rabiscados.
dos teus olhinhos verdes,
pululantes,
encantados:
o mundo inteiro deseja saber...

H. L. C.


da série 'carbono 14'

quinta-feira, 26 de maio de 2016

explicitude ou poema das sete chaves

aí já não vejo.
beijo.
abraço
os braços do amparo.
mordo as regras e exceções.
busco a ti, a mim.
a sílaba!
mas, enfim, quem é esta apodítica pessoa
a fazer minha dosimetria?:
o 'Ser e o Nada';
'a náusea';
a ´idade da razão';
'A morte na alma';
'sursis';
'Caminhos da liberdade'...
aí já não vejo.
fervo!
estou como na ponte de Ambrose Bierse.
é que o impossível não se pode exigir.
estou em ti.
e ainda assim,
neste quase-inverno
sou tão Camus.

H. L. C.

da série 'carbono 14'

quarta-feira, 25 de maio de 2016

"Когда небо упало на землю...."

Quando o céu caiu ao chão
deu-se 'la stravaganza'
e do ventre d`um anjo delicado
brotaram milhares de bilhões
de flores azuis
formando tapete infinito
por onde os pezinhos do mesmo anjo
passaram a flutuar
naquilo que já não era
nem céu
nem chão
era oração
um anjo de olhos verdes
de magro e pálido corpo feminino
respirando sonatas para violino
a brincar com carneirinhos brancos
na imensidão
do abrigo de uma folha de papel.

H. L. C.

da série 'carbono 14'





terça-feira, 24 de maio de 2016

L`église de la Madeleine

sob os teus sacros olhos verdes,
mais verdes e mais sacros
do que os de Mademoiselle Anne-Marie Louise d`Orleans,
nasciam os 28 degraus
da pequena gótica,
hoje clássica,
habitante da Place de la Concorde.
e teus sacros olhos verdes,
sob o teto da nave da igreja de Madalena
(intrigados com a figura de um  Napoleão,
entre Oriente e Ocidente,
sendo coroado pelo Papa Pio VII),
admiravam:
"uma igreja sem sino?"
"um templo romano?"

H. L. C.

da série 'seus suaves relatos de maio'


segunda-feira, 23 de maio de 2016

Père-Lachaise

gótica, neoclássica,
eclética e quase barroca,
houve uma turista
que, caminhando sem rumo
pelos jardins do Père-Lachaise,
meteu-se a falar com Edith Piaf,
que logo a apresentou a Jim Morrinson e Molière.
e,  já todos muito camaradas,
pensaram esticar até ao Jardim de Luxembourg,
para quem sabe,
em dia de sol forte,
arriscar a visão de um topless,
deviam antes passar,
é claro, numa padaria
a fim de comprar
a baguete recheada preferida de Edith.
se puseram a caminhar...
mas, poucos metros à frente,
acredite,
diante de um túmulo simples e anônimo
esbarraram com três cavalheiros
e mais uma dama,
um quarteto jogando damas ao léu,
eram Balzac, Proust, Chopin e Sarah Bernardt.
ora bem que mal deram-se aos cumprimentos,
surgiu um esbaforido Oscar Wilde
convidando a todos à área dos túmulos de música,
ciências e literatura,
afinal era sábado,
dia de festa,
até às 17h30,
de entrada gratuita.

H. L. C.

da série 'seus suaves relatos de maio'




Les philosophes

de pernas de fora
de pernas longas e magras de fora
sob um pedacinho de vestido azul-claro
procurando um free wi fi zone
ela é o amor
esbelta como uma  clarineta
(dessas sempre muito vaidosas de tocar Louis Armstrong)
e com o seu sorriso de doce criança inteligente
perguntando ao vento
"por que não morar num sótão no futuro"
ou "por que amanhã mesmo não estrear
a sua camisa zebra combinando
com os novos sapatos vermelhos"
ou "por que não fazer um curso de funambulismo"
ou "por que não soltar os cabelos
vestir belas meias estranhas
e correr a filosofar
deliciosamente
diante de um miche poilâne"

H. L. C.


da série 'seus suaves relatos de maio'

Voilà ce que tu m’as demandé!



segurando o pacotinho dos livros novos,
senta-se no Le Moulin de La Galette,
profunda e com o olhar perdido -
imaginando a intensidade dos olhinhos verdes 
de uma madmosselie,
a divertir-se pelo salão de bailes 
do século XIX, 
com suas camaradas. 
e já depois,
de mãos dadas 
à sua nova amiga de infância imaginária,
já estão a correr em disparada 
e gargalhadas 
pela Rue Lepic,
entrando no Café des Deux Moulins,
e rapidamente pedindo doces, queijos
já espinafra 
a impossível comparsa, 
que, de figurante, passa 
em teimosia a desenhar no guardanapo
uma exposição infindável 
de frutas, verduras, 
flores, flocos, 
frango assado,
dentre outras cousas...
lembra-se de mim, por fim,
e com suas mãozinhas delicadas,
com unhas pintadas 
de rosa-claro,
e com a boca,
a boca tão bonita
de lábios anjo-diabo,
já quase toda ocupada
por um pão doce,
manda-me um “voilà!”,
desses tipo um
"je ne sais pas, monsieur!"


H. L. C.

da série 'seus suaves relatos de maio'

domingo, 22 de maio de 2016

uma sílaba

domingo,
de-manhã-cedinho,
se espalhando pelo Boulevard Raspail,
de barraca em barraca,
sob o som de 'la vie en rose',
entre queijos, doces e chocolates,
ali está uma linda mulher,
sorrindo uma sílaba qualquer,
beliscando coisinhas aqui-acolá,
fazendo aquele-pedacinho-da-velha-Paris corar.

H. L. C.

da série 'seus suaves relatos de maio'

sábado, 21 de maio de 2016

Saint Émilion

escorrem vinhos
dos teus lábios...
eis a tua boca:
cheia de rubros utensílios
amorosos.

H. L. C.

da série 'seus suaves relatos de maio'

Rue Mouffetard

contigo,
carregas aí, de maneira rafeira,
as minhas saudades, pelos corredores da Sorbonne.
tens-me!
e eu não tenho a ti.
mas, mesmo assim, brejeira,
louca-fagueira,
já tipicamente ébria francesa,
dou-te o meu conselho insone:
entre os tais sorvetes da Amorino
e os tais crepes de nutella -
não te esqueças de mim,
e nem me tragas tu gravatas amarelas!

H. L. C.

da série 'seus suaves relatos de maio'

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

primeiro abraço

o amor num único traço
é o abraço
os dois encaixados
tu, a face no meu ombro
eu, o nariz na tua nuca
os olhos fechados
a carne trêmula
mas já em paz
os nossos cheiros
o mundo pára
minha boca já são os "sulquinhos" do teu pescoço
tua orelha já se torna o meu rosto
somos dois em um nó
somos um só
e na eternidade desse abraço
por incríveis cinco minutos 
moramos em nós 
e fomos dois-felizes



p/ Adriana

H. L. C.


vista d'olhos

quem sabe lá detrás daquela serra,
da serra de Eça de Queirós,
também eu encontre o meu pedaço de chão?
e lá queira viver
sem avistar pé de gente.
ah!, Queirós, gigante português,
de que doença morrerei eu?
amigo meu,
estou doente!
a morte me assombra e me desterra,
roubando-me a paixão
do querer-ser,
embotando-me em burguês.
amigo meu,
estou doente!
e de que doença morrerei eu?
será algo feroz?
bactéria atroz?
loucura, de quando em vez?
então, assim é que é:
vou-me a comprar uma quinta naquela serra,
do outro lado da serra de Eça de Queirós,
o gigante português.
porque estou doente... não vês?
e lá, de gente não quero avistar pé.
estou doente!
e a morte me assombra e me desterra.
quando mais não seja a fé,
da minha morte morrerei eu?
será afasia?
constipação?
pulmão?
loucura bravia?
estou doente!
e do outro lado da serra verde farei uma casinha
e darei figos para a fêmea andorinha 
estou doente de contente!
pois a morte assombra o meu viver ramerrão.
mas, de que mal padeço?
será pulmão?
o coração?
a cabeça, dor de dente?
oh!, gigante português,
amigo meu, 
que inveja que tenho
daquilo que a vida te deu,
sei que tu sabes do que estou a dizer.
farei a minha casinha na serra:
plantarei milho,
terei vinho,
e não quero gente ao pé de mim.

H. L. C.

Da série 'meus poemas quase-póstumos'


terça-feira, 26 de janeiro de 2016

sambinha em levada de caixa básica (para quinta-feira de carnaval)

é carnaval
e no Tribunal
prometi
um samba
pra Lídia Ravena
de nome Açucena
que mora em Ipanema
que é porta-bandeira
da jovem mangueira/
e "matei a pau!"

H. L. C.

da série 'poesia em degrau'

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

olhos verdes-violino

meio da tarde
uma margarida branca
vestida de branco
com cabelos cor de milharal em tempos de colheita
dois olhos verdes  

meio da tarde e um pouquinho mais
e observamos a bela Maria com o menino Deus ao colo
e um violino tocando a música de Johann Sebastian Bach
e duas almas se desprendem dos corpos
para lá no longe
no mais do longe
pousarem em castelos de cristais
duas almas descalças
de faces simétricas
conexas
paradoxais

H. L. C.

da série 'de quando minha casa era o teu ateliê'

carta minha, doutro dia, ao Rubem Braga:

Braguinha, etílico amigo,                 


trabalho ora num projeto,
que nem te conto:
se tudo der certo,
arrumo das malas e pronto!
vou-me ter aí, perto de ti,
já, a adquirir 
uma cobertura das boas, no Leblon!
isto dito, 
meu praça,não disfarça,
e cuide logo de ir avisando às meninas,
tuas vizinhas,
especialmente aquela altinha-engraçadinha, 
que coisinha!
aqui? vai tudo azul, meu chapa!
sossegue! 
dar-te-ei notícia...
               

                  sempre seu,
            seu amigo do passado,
                 H. L. C.