segunda-feira, 30 de maio de 2016

jazz para não voltar


então, disse-lhe:
por favor! por favor!
onde estão os meus cigarros, baby?
pense bem. olhe para mim.
devolva-os. devolva-os.
eu estarei pronto.
sim. indo para casa.
então, disse-lhe:
devolva-os, baby, devolva-os.
olhe para mim.
onde estão os meus cigarros?
estou pronto, baby.
onde estão os meus cigarros?
pense bem, baby.
eu gosto de você livre.
mas, devolva-me os cigarros.
baby, uma nuvem de irritação já começa a pairar sobre os meus nervos.
então, disse-lhe:
olhe para mim.
obrigado, baby.
agora, devolva os meus cigarros.
não! aí já procurei. não estão!
eu estarei pronto num minuto, baby.
em um minuto voltarei à casa.
tenho aqui algum trabalho para a madrugada.
e uns rabiscos, coisa tola.
eu gosto tanto de você livre, mas,
onde estão os meus cigarros?
baby, uma nuvem de irritação já começa a tomar conta dos meus dedos.
então, disse-lhe:
quero lhe levar às alturas, baby.
agradeço sua preocupação.
mas...
aí, já procurei.
aí, não estão.
então, você quer acabar com todos os meus sonhos, baby?
hoje à noite, eu lhe levaria às alturas...
então, você tem um sonho, garota?
onde estão meus cigarros?
então...
vamos...
já num instante estarei em casa, baby.
tenho uns rabiscos tolos aqui nos bolsos.
agradeço a preocupação.
você já teve um sonho tirado de você, garota?
então,
devolva-me.

H. L. C.

da série 'carbono 14'


domingo, 29 de maio de 2016

bons sonhos, matrioska!

fim de tarde
frio da tarde
ela maquiando o rosto branco
tem os cabelos soltos
tem as suaves chamas nos olhos verdes
tem a pele doce de nectarina
e a fome espontânea de uma menina
quer sopa
quer pão
quer vinho
quer carinho
quer esquecer dos jornais
dos sites
das redes sociais
de todas as formas de hipocrisia
e da gente boba
quer fazer amor ouvindo Aretha Franklin
e quer dormir quentinha e quietinha
e sonhar que é a menor das matrioskas
dentro de dez outras matrioskas
protegida.

H. L. C.

da série 'carbono 14'

sábado, 28 de maio de 2016

9 martelos

'tudo ao seu tempo,
ô, guri!',...
dizia-me o velho,
do alto de seu castelo.
... 'não vês o clero? e o Agnelo?
tudo compraram de ouro amarelo!'...
 - e eu? que farei eu, velho?
... 'tu? continua aí,
com teus 9 martelos.'

H. L. C.

da série 'meus poemas quase-póstumos''

gracejo nº 2

Maroca
velhinha coroca.
que não gosta de mim.
nem de rima.
só de pipoca.

H. L. C.

especialmente

como dantes,
vamos passear
num lugar qualquer.
comer pão-de-alho
num lugar qualquer.
depois,
vamos ao teu playground,
até noite bem tarde,
conversar,
sonhar,
calcular formigas voadoras.
resgatar duas crianças na casa-da-árvore.
tomar chocolate.
e curar as feridas
com mertiolate.

H. L. C.

da série 'carbono 14'

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Знаю, красавица!


do teu dia.
dos teus patins
no meio da floresta,
quando em pequena.
de como nasceu tua estúpida beleza
vestida de couro james dean.
do buquê de flores azuis.
do teu vestido preferido justo ao corpo.
do teu doce rosto descarado.
do sorriso ora atrevido, 
ora envergonhado.
da coleção de guardanapos rabiscados.
dos teus olhinhos verdes,
pululantes,
encantados:
o mundo inteiro deseja saber...

H. L. C.


da série 'carbono 14'

quinta-feira, 26 de maio de 2016

explicitude ou poema das sete chaves

aí já não vejo.
beijo.
abraço
os braços do amparo.
mordo as regras e exceções.
busco a ti, a mim.
a sílaba!
mas, enfim, quem é esta apodítica pessoa
a fazer minha dosimetria?:
o 'Ser e o Nada';
'a náusea';
a ´idade da razão';
'A morte na alma';
'sursis';
'Caminhos da liberdade'...
aí já não vejo.
fervo!
estou como na ponte de Ambrose Bierse.
é que o impossível não se pode exigir.
estou em ti.
e ainda assim,
neste quase-inverno
sou tão Camus.

H. L. C.

da série 'carbono 14'

quarta-feira, 25 de maio de 2016

"Когда небо упало на землю...."

Quando o céu caiu ao chão
deu-se 'la stravaganza'
e do ventre d`um anjo delicado
brotaram milhares de bilhões
de flores azuis
formando tapete infinito
por onde os pezinhos do mesmo anjo
passaram a flutuar
naquilo que já não era
nem céu
nem chão
era oração
um anjo de olhos verdes
de magro e pálido corpo feminino
respirando sonatas para violino
a brincar com carneirinhos brancos
na imensidão
do abrigo de uma folha de papel.

H. L. C.

da série 'carbono 14'





terça-feira, 24 de maio de 2016

L`église de la Madeleine

sob os teus sacros olhos verdes,
mais verdes e mais sacros
do que os de Mademoiselle Anne-Marie Louise d`Orleans,
nasciam os 28 degraus
da pequena gótica,
hoje clássica,
habitante da Place de la Concorde.
e teus sacros olhos verdes,
sob o teto da nave da igreja de Madalena
(intrigados com a figura de um  Napoleão,
entre Oriente e Ocidente,
sendo coroado pelo Papa Pio VII),
admiravam:
"uma igreja sem sino?"
"um templo romano?"

H. L. C.

da série 'seus suaves relatos de maio'


segunda-feira, 23 de maio de 2016

Père-Lachaise

gótica, neoclássica,
eclética e quase barroca,
houve uma turista
que, caminhando sem rumo
pelos jardins do Père-Lachaise,
meteu-se a falar com Edith Piaf,
que logo a apresentou a Jim Morrinson e Molière.
e,  já todos muito camaradas,
pensaram esticar até ao Jardim de Luxembourg,
para quem sabe,
em dia de sol forte,
arriscar a visão de um topless,
deviam antes passar,
é claro, numa padaria
a fim de comprar
a baguete recheada preferida de Edith.
se puseram a caminhar...
mas, poucos metros à frente,
acredite,
diante de um túmulo simples e anônimo
esbarraram com três cavalheiros
e mais uma dama,
um quarteto jogando damas ao léu,
eram Balzac, Proust, Chopin e Sarah Bernardt.
ora bem que mal deram-se aos cumprimentos,
surgiu um esbaforido Oscar Wilde
convidando a todos à área dos túmulos de música,
ciências e literatura,
afinal era sábado,
dia de festa,
até às 17h30,
de entrada gratuita.

H. L. C.

da série 'seus suaves relatos de maio'




Les philosophes

de pernas de fora
de pernas longas e magras de fora
sob um pedacinho de vestido azul-claro
procurando um free wi fi zone
ela é o amor
esbelta como uma  clarineta
(dessas sempre muito vaidosas de tocar Louis Armstrong)
e com o seu sorriso de doce criança inteligente
perguntando ao vento
"por que não morar num sótão no futuro"
ou "por que amanhã mesmo não estrear
a sua camisa zebra combinando
com os novos sapatos vermelhos"
ou "por que não fazer um curso de funambulismo"
ou "por que não soltar os cabelos
vestir belas meias estranhas
e correr a filosofar
deliciosamente
diante de um miche poilâne"

H. L. C.


da série 'seus suaves relatos de maio'

Voilà ce que tu m’as demandé!



segurando o pacotinho dos livros novos,
senta-se no Le Moulin de La Galette,
profunda e com o olhar perdido -
imaginando a intensidade dos olhinhos verdes 
de uma madmosselie,
a divertir-se pelo salão de bailes 
do século XIX, 
com suas camaradas. 
e já depois,
de mãos dadas 
à sua nova amiga de infância imaginária,
já estão a correr em disparada 
e gargalhadas 
pela Rue Lepic,
entrando no Café des Deux Moulins,
e rapidamente pedindo doces, queijos
já espinafra 
a impossível comparsa, 
que, de figurante, passa 
em teimosia a desenhar no guardanapo
uma exposição infindável 
de frutas, verduras, 
flores, flocos, 
frango assado,
dentre outras cousas...
lembra-se de mim, por fim,
e com suas mãozinhas delicadas,
com unhas pintadas 
de rosa-claro,
e com a boca,
a boca tão bonita
de lábios anjo-diabo,
já quase toda ocupada
por um pão doce,
manda-me um “voilà!”,
desses tipo um
"je ne sais pas, monsieur!"


H. L. C.

da série 'seus suaves relatos de maio'

domingo, 22 de maio de 2016

uma sílaba

domingo,
de-manhã-cedinho,
se espalhando pelo Boulevard Raspail,
de barraca em barraca,
sob o som de 'la vie en rose',
entre queijos, doces e chocolates,
ali está uma linda mulher,
sorrindo uma sílaba qualquer,
beliscando coisinhas aqui-acolá,
fazendo aquele-pedacinho-da-velha-Paris corar.

H. L. C.

da série 'seus suaves relatos de maio'

sábado, 21 de maio de 2016

Saint Émilion

escorrem vinhos
dos teus lábios...
eis a tua boca:
cheia de rubros utensílios
amorosos.

H. L. C.

da série 'seus suaves relatos de maio'

Rue Mouffetard

contigo,
carregas aí, de maneira rafeira,
as minhas saudades, pelos corredores da Sorbonne.
tens-me!
e eu não tenho a ti.
mas, mesmo assim, brejeira,
louca-fagueira,
já tipicamente ébria francesa,
dou-te o meu conselho insone:
entre os tais sorvetes da Amorino
e os tais crepes de nutella -
não te esqueças de mim,
e nem me tragas tu gravatas amarelas!

H. L. C.

da série 'seus suaves relatos de maio'