sábado, 26 de novembro de 2016

roleta russa

tuas pegadas desenham
cifras musicadas
pelas calçadas
todo-o-mundo
pára a olhar-te
já tarde-à-noite
es como a pétala da flor
pequenina e delicada
grávida de liberdade
gozando do orvalho prometido
na certeza de na manhã seguinte
voar ainda mais solta
e longe
tuas pegadas
são como o dedilhar sereno, certeiro e estupefato
do gênio sobre as teclas do íntimo piano
tuas pegadas
te levam a um caminho
qual caminho?

H. L. C.

da série 'últimas poesias'




quinta-feira, 17 de novembro de 2016

bilhete ou Déjà vu ao contrário

ainda não acabou
sinto que ainda não acabou
da minha sala de aula
vejo a tua sala-de-estar
cheia do cheiro dos meus vinte anos
e do teu jeito de aconchegar
lá se vai o tempo
o tempo
o tempo
o tempo
a nos enganar
onde está beltrana?
lembranças a fulano...
mande um beijo meu a sicrana...
precisamos marcar...
e assim se vai
um livro folheado
uma lembrança pingada
das esquinas andadas
do bar já fechado
lá se foi o tempo
ora volta o tempo
o tempo brejeiro rafeiro
de sicrano
da fulana
dos beltranos
olha a sopa quente
a empadinha
olha a mãozinha dela
mão boba do fulano
olha os lábios dela
no sereno
ela tem um disco
beija bem
é um veneno
e tão quietinha
de pés pequenos
beltrano entrou numa enrascada
sicrana danada
correu pelada
no chão deixou pegadas
um casal de beltranos
contou piadas
pro tempo
lá se vai o tempo
as gargalhadas
de madrugada
a rede de fulana
cheia de veneno
na sacada
olha fulano
diga a beltrana
que há um bilhete
há duas entradas
pra aquela banda
assim chamada
flash back

da série 'últimas poesias'




segunda-feira, 14 de novembro de 2016

carta a Friedrich Sertürner

esta camisa-de-força
patético adereço
que me vestem
e deixo vestir-me
não sei se por apatia
afasia
ou se a mereço
meti-me
meteram-me nesta camisa-de-força
cego numa gaiola-de-loucos
que de loucos não tem nada
são tristes consumidores de vidas e almas
quem dera estivesse eu numa gaiola-de-loucos
mas, vivo perdido morto
nesta gaiola-de-tolos
chamada século 21

H. L. C.

da série 'últimas poesias'

sábado, 12 de novembro de 2016

experimento sobre tintas nº 9

vil poesia
pobre e bonita verdade minha
esta que é tão minha
que jamais ousaria compartilhar
vil disfarce
que devoro
e devora-me
coisa minha
que levo
e sempre a levarei
insignificante
oculta
agasalhada
meu caminho
indesviável
às águas verdes
e calmas
do niagara falls

H. L. C.

da série 'últimas poesias'


paramnésia

nada já
nada já
nada com o que se importar
até lá
uh lá lá
lado de cá
viajar
voar
dançar
sem levar
remédios
cartão de crédito
fones de ouvido
livros
olhos vivos
respiração
nada já
nada já
nada de palavra mágica
apenas voar

H. L. C.

da série 'últimas poesias'

sábado, 5 de novembro de 2016

circundante

hoje é somente tu.
hoje, e daqui mais dez anos,
somente tu.
cristalina.
menina.
folha de papel em branco.
adrenalina.

H. L. C.

da série 'últimas poesias'