segunda-feira, 31 de outubro de 2016

etcétera

havia uma ampulheta em sua mão
era o primeiro raio de sol
animais incríveis saiam de sua boca
não obstante a hora
relâmpagos cortavam o ambiente
aquilo podia ser um labirinto 
mas eu tinha um relógio de bolso
ela vestida de azul
ou talvez ela mesma fosse azul
ou sua pele branca vestia azul
por toda a ponte muitas taças de vinho caídas
em uma das mãos ela levava uma maleta cheia de croquis
o dia parecia amanhecer
e a luz do sol misturava-se ao noturno da sala
e formava um fundo confuso
ela sentada no sofá sobre uma das pernas
seminua
os cabelos cobriam-lhe os seios
a ampulheta ocultava-lhe o ventre
ora ela branca
ora ela noir 
ora cinza
a confundir-se com o próprio sofá
quase a tornar-se um traço borrado de nanquim
eu estava ali e não estava ali
o voz de Aretha Franklin lambia as paredes e o teto da sala
e não era nem dia nem noite
sua pele branca
recortada em carne viva por um refletor elipsoidal
pronta a ser devorada por um cavaleiro de luz
ela com suas asas e chifres
e pés pequenos
havia meteoros vindos de longe bailando no ar
havia anjos azuis de rostos irônicos e divertidos
e ela não queria saber
era dia de ressaca no mar
suas unhas pintadas de café
seu sorriso a divertir-se
com as lembranças das crônicas tolas de um autor chinfrim
e eu olhava e sentia suas pernas e coxas
sentia todo o seu país pálido
mas não me atrevia a adivinhar a cor dos seus olhos

H. L. C.

da série 'últimas poesias'






Nenhum comentário:

Postar um comentário