sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Para onde vão os táxis de nova York no final da tarde...

Eu estava eufórico!... Tinha acabado de encontrar, ouvir e comprar um Jackie Mclean! Disco raríssimo. Ouvira o álbum inteiro, duas vezes, em transe absoluto. E perdi completamente a noção do tempo ali, envolvido nas paredes uterinas daquele templo do vinil, maravilhado pelas figuras inclassificáveis que juntamente comigo, numa mistura incomensurável de línguas e cores, excitavam-se na busca do tesouro musical inesperado. A pior parte veio quando eu perguntei how much is a...? “U$ 20”, disse o vendedor com sotaque de australiano. E eu pensei: “stop Thief!” Um jamaicano sussurrou, tentando ser engraçado “it’s an emergency!” E eu concordei amistosamente: Yes. i lost my wallet! I’m lost... Paguei. Nova York tem dessas coisas, pequenos prazeres custam mordidas contundentes na carteira...
 Saí pela porta lateral da lojinha, que mais parecia uma daquelas pequenas e aconchegantes casinhas típicas dos bairros boêmios de new orleans. Parei ainda perto da porta, na calçada, e fiquei alguns segundos a observar a dinâmica daquele lugar e daquela gente esquisita e cativante. A música estava em tudo, estava na imensa frota de táxis amarelos que passavam e paravam, elegantemente, ao esticar dos braços e acenar das pessoas que procuravam neles um meio mais rápido de alcançar o destino. A música estava no andar, nas roupas, no gingado dos indivíduos  que se misturavam com gente de todo o mundo e que seguiam juntos na coreografia do dia pelas ruas. A música estava no sorriso e saía pela boca graciosa de uma negra bonita, volumosa, que pendurava, para secar, roupas lavadas na pequena sacada de um prédio meio maltratado pelo tempo. Havia música na pluralidade majestosa das maneiras daquele povo, nos jovens que num estacionamento vizinho, improvisavam um basquete de rua convidativo, e, sobretudo, percebia-se a musicalidade no charme maroto das jovens suburbanas que trocavam comentários secretos, enquanto assistiam aos namorados desfilarem habilidade com o esporte. Observava essa cena e tudo me lembrava ‘Uma rua chamada Pecado’, de Tennessee Williams; também me veio a cabeça a atmosfera de ‘A morte do Caixeiro viajante’, de Arthur Miller.
Ali estava eu de férias, quase final de férias, no bairro do queens, leste do rio. A essa altura um pobre turista fascinado com Long Island City, quando recebo uma trombada de um italiano grave e desajeitado, acompanhado de um argentino pedante que ainda me ordenou que lhe dissesse as horas. half past four in the afternoon!, encarei o relógio e soletrei automaticamente sem acreditar. Estava atrasado. E como faria Alice acreditar que o motivo da impontualidade fora a embriaguez causada por um disco Jackie Mclean? I’m lost!, pensei. E por que cargas d’água estou pensando em inglês?, retruquei-me. Bom, o lado leste do rio era instigante, mas reencontrar Alice, incomparável, isso se àquela altura ela ainda me desculpasse. Quase cinco da tarde, estico um braço, os dois braços, aceno para os táxis que passam e nada. Passam um atrás do outro. Pessoas perto de mim também acenam, e vão padecendo da mesma irritação. Em alguns minutos, noto que todos os táxis que passam pela rua estão vazios e com a luz “Fora de Serviço”, acesa.
Eu precisava atravessar toda a Queensboro Bridge, depois passar pela 11 th Avenue,  onde pegaria minhas malas, para em seguida voltar à cidade, especificamente ao centro, onde me encontraria com Alice, que me hospedaria nos últimos dias. Atrasei-me feio. Ambos avessos a celular, Alice já estava desde o início da manhã a Oeste de Manhattan. Ditou nosso encontro às 17, para o chá... como ela costuma brincar: “as 17, em ponto. Ou te jogo pelo Empire State Building!”  
... e eu, às 20 horas...:  - Good evening! Forgive me, please, miss Times Square... i lost my wallet!
Hedre Lavnzk couto

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