quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

primeiro abraço

o amor num único traço
é o abraço
os dois encaixados
tu, a face no meu ombro
eu, o nariz na tua nuca
os olhos fechados
a carne trêmula
mas já em paz
os nossos cheiros
o mundo pára
minha boca já são os "sulquinhos" do teu pescoço
tua orelha já se torna o meu rosto
somos dois em um nó
somos um só
e na eternidade desse abraço
por incríveis cinco minutos 
moramos em nós 
e fomos dois-felizes



p/ Adriana

H. L. C.


vista d'olhos

quem sabe lá detrás daquela serra,
da serra de Eça de Queirós,
também eu encontre o meu pedaço de chão?
e lá queira viver
sem avistar pé de gente.
ah!, Queirós, gigante português,
de que doença morrerei eu?
amigo meu,
estou doente!
a morte me assombra e me desterra,
roubando-me a paixão
do querer-ser,
embotando-me em burguês.
amigo meu,
estou doente!
e de que doença morrerei eu?
será algo feroz?
bactéria atroz?
loucura, de quando em vez?
então, assim é que é:
vou-me a comprar uma quinta naquela serra,
do outro lado da serra de Eça de Queirós,
o gigante português.
porque estou doente... não vês?
e lá, de gente não quero avistar pé.
estou doente!
e a morte me assombra e me desterra.
quando mais não seja a fé,
da minha morte morrerei eu?
será afasia?
constipação?
pulmão?
loucura bravia?
estou doente!
e do outro lado da serra verde farei uma casinha
e darei figos para a fêmea andorinha 
estou doente de contente!
pois a morte assombra o meu viver ramerrão.
mas, de que mal padeço?
será pulmão?
o coração?
a cabeça, dor de dente?
oh!, gigante português,
amigo meu, 
que inveja que tenho
daquilo que a vida te deu,
sei que tu sabes do que estou a dizer.
farei a minha casinha na serra:
plantarei milho,
terei vinho,
e não quero gente ao pé de mim.

H. L. C.

Da série 'meus poemas quase-póstumos'


terça-feira, 26 de janeiro de 2016

sambinha em levada de caixa básica (para quinta-feira de carnaval)

é carnaval
e no Tribunal
prometi
um samba
pra Lídia Ravena
de nome Açucena
que mora em Ipanema
que é porta-bandeira
da jovem mangueira/
e "matei a pau!"

H. L. C.

da série 'poesia em degrau'

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

olhos verdes-violino

meio da tarde
uma margarida branca
vestida de branco
com cabelos cor de milharal em tempos de colheita
dois olhos verdes  

meio da tarde e um pouquinho mais
e observamos a bela Maria com o menino Deus ao colo
e um violino tocando a música de Johann Sebastian Bach
e duas almas se desprendem dos corpos
para lá no longe
no mais do longe
pousarem em castelos de cristais
duas almas descalças
de faces simétricas
conexas
paradoxais

H. L. C.

da série 'de quando minha casa era o teu ateliê'

carta minha, doutro dia, ao Rubem Braga:

Braguinha, etílico amigo,                 


trabalho ora num projeto,
que nem te conto:
se tudo der certo,
arrumo das malas e pronto!
vou-me ter aí, perto de ti,
já, a adquirir 
uma cobertura das boas, no Leblon!
isto dito, 
meu praça,não disfarça,
e cuide logo de ir avisando às meninas,
tuas vizinhas,
especialmente aquela altinha-engraçadinha, 
que coisinha!
aqui? vai tudo azul, meu chapa!
sossegue! 
dar-te-ei notícia...
               

                  sempre seu,
            seu amigo do passado,
                 H. L. C.


poema da discórdia

à noite,
quando já um outro
em tua cama,
fingirás que o ama,
ou mentirás poder amá-lo.
e termina-se aqui este poema:
quase sem rima!
um pouco sem mim.

H. L. C.

da série 'carbono 14'

domingo, 24 de janeiro de 2016

muito simples

domingo de manhã
e o mesmo ritual:
uma mulher magra e pálida
lendo seu jornal...
compenetrada.
tarada.
e metida em sua camiseta branca.
mordendo sua caneta.
fazendo careta.
reclamando da chuva.
exclamando dos churros.
piscando o olho.
risonha.
avisando da festa.
"pois mais tarde tem festa".

H.L. C.

da série 'carbono 14'

sábado, 23 de janeiro de 2016

poema testamento (ou poema tolo)

o bom da vida.
o bom da vida é nadar para o mar.
sem se afobar.
sem se afogar.
e esquecer.
de quem ficou no continente
com medo de viver.

H. L. C.

duas rimas

ah!, 
menina da lua,
esses teus olhinhos.
oh!,
esse teu narizinho,
doce pergaminho!, 
onde estão escritos
meu afeto 
meus afagos
meu carinho...

H. L. C.

da série 'poesia em degrau'

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

após um vestido vermelho manchado de vinho

nua, 
e teus olhos assim,
a roubar-me?
tens me roubado.
quantos corpos teus tens para mim?
quantas de ti há em ti?
nua,
deitada de lado, exibindo os quadris gentis.
nua,
só de soslaio, com as costas côncavas, puras e peraltas. 
nua,
na cama, sentada penteando os cabelos
e teu corpo brincando de ser carne.
nua,
de cambalhotas na cama,
conferindo a cor das unhas, 
fingindo querer vestir-se no meio da manhã.
nua,
flertando com o perigo que há em mim.
nua,
falando-me das águas do rubicon que atravessamos juntos a peito, ao longo da madrugada.
nua,
uma bailarina minha cantarolando as curas de um amor afônico.
nua,
pedindo para ser escrita com canetas especiais, enquanto penteia os cabelos.
nua,uma índia eslava livre
compondo as tintas do nosso vivo estado de natureza.
nua,
jogando na latrina as certezas.
quase-nua, 
de seios à mostra, debruçada sobre a janela lendo o jornal e fazendo pouco da rua...
e dum vestido vermelho rasgado manchado de vinho.

H. L. C.

da série 'poesia em degrau'

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

garota FBI

que bom o reencontro nosso.
o que farei eu com você?
quero tudo fazer!
posso?

H. L. C.

da série 'a bailaria'

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

borboletas azuis a cavalgar em campos de algodão


matando
o passado
voando inteira
deu-me a mão
chegou-me à beira
envolta
no cheiro de uma leve sonata eslava
o espírito livre
como eu, sartreana
sem alpercatas
sem fantasmas
bailando no escuro
entre suas pernas, mil fanfarras em sol
sem grilhões
espantosa gentil
bebendo do vento
gostando de falar
gostando de ouvir
tantos alentos
tantos talentos
sem mentiras
confessando-me todas as mentiras
sem fingimento
mulher de carne
não de cera
sentada à beira
já será ela, agora?
doce e brejeira?
sem tormentas
com pimenta
nós livres como Sartre ainda em sua juventude
mentirosos nós dois, como Sartre?
rindo da vida
da despedida
da desmedida
loucos pelas estradas
ela voando brejeira e doce
dona de um rafeiro alentejano
tantos desejos
voando
esbaforida
colorida
vivida
fingida?
doce brejeira de olhos inteiros cavalgando 
nos nossos novos campos de algodão
matando o passado
aprendendo a viver vivida
sem mentiras
sendo mulher
sem quiproquós 
sem alpercatas falsas
sem disfarces líquidos...


H. L. C.

da série "poesia em degrau"


terça-feira, 19 de janeiro de 2016

vade in pace

sabes o que é poesia fácil?
eu vou contar-te:
amanhã de manhã
não sobrará nada de nós...
nem mesmo a lembrança daquela garrafa de vinho Canepa já pela metade;
nem mesmo aquelas últimas três fatias do teu pão preto;
ah, o amor.
o amor que brota dos traços de tua boca...
a tua boca, meu bem,
foi desenhada na madrugada pelo amor...
e o amor é um bicho escroto!



da série 'de quando minha casa era o teu ateliê'

H. L. C.

pontes dos suspiros

a garota do violoncelo
a garota pálida
tem pernas alegres
como as pernas de Tina Turner

H. L. C.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Experimento sob afinação n. 01

a poesia é morta, querida Inês...
por mais que eu tente,
não sou
Renoir
Degas
Monet
para capturar a luz
e te impressionar...

em mim, não há nada de Pierre August,
de Edgar,
de Claude...
vejo o mundo de um modo surreal...
e, com minhas letras,
flerto com o pontilhismo...
mas, qual!
todas as paisagens me são afetas.
das pontes,
feitas a pinceladas fortes,
emergem tuas pernas
longas,
torneadas,
magras,
pernas de garça branca...

e da aurora,
teus cabelos,
cor de milharal já em tempos de colheita,
derramados sobre minha face,
fazem brotar dos meus olhos todas as flores do mundo,
flores! flores de todos os cantos
com as cores do espanto
girassóis russos imensos,
ou pelo menos o cheiro deles,
parece nascer dos teus cabelos cor de milharal...

mas não adianta, tola Inês...
jamais serei manet
muito menos monet,
minhas paisagens são pífias
e na minha cabeça tenho apenas uma pintura guardada...
na verdade, um croqui,
desses que não valem de nada:

quando fecho os olhos,
sempre que posso,
vejo uma margarida branca,
metida num vestido branco,
que me fala por meio de notas musicais,
é quando de sua boca
ouço óperas de Wagner em elipses viscerais
e meu sangue corre para terras desconhecidas...

H. L. C.

da série "poesia em degrau"

poesia em degrau

tu,
com teus olhos verdes,
como te chamas?
tu, com teus lábios delicados,
quantos beijos há tanto guardados,
ainda me darás nas manhãs de domingo?
tu,
com teu corpo branco e macio,
com teu cheiro
e com teu feminino ardil
e plena da doçura atrevida de teus seios,
aonde me leva(ria)s
tu, cheia de chamas?
tu, com teus enleios,
com teus travesseiros,
com teus dotes fagueiros,
com teus docinhos,
com teus "bicos",
com teus vinhos,
vinhos de safras raras
que ainda beberemos (?)
tu, com teus olhos verdes
e com esse teu pescoço meio anjo-diabo,
e com tua barriguinha pouco mais que linda...
tu, com o teu "duda",
com tuas dúvidas,
com nossas "grudas"
tu, com tua manteiga desnatada
com tua risada danada
com tua voz embargada
de fazer prazer
tu,
falando
pensando
gesticulando
chorando
amando
tu, com teus livros
teus filmes
teus cheiros
teus pelos
teus caminhos
tuas dores
tu,
com tua pele frutada
com gosto de uísque 12 anos
tu, com a leveza certa de um jazz
tu, sensual como uma canção de Merle Haggard
tu, arisca e confusa
menina e mulher
tu,
aconchegante como as notas líquidas de um piano madrigal de outono,
tu, feito poesia em degrau
a pedir tintas
incompleta
inacabada
ainda em promessa...
tu, o que farás de mim?



H. L. C.

da série "poesia em degrau"