terça-feira, 10 de novembro de 2015

erros ortográficos

eu
passeando nos teus pequenos delírios
bebendo de tuas cervejas especiais
pernoitando em teus poemas que penduras em varais
eu comendo do teu abacate com mel
eu agora peticionando o uso vitalício do teu ventre
uma delícia
aberta
possessa
canina
singela
com gosto de marmelo e seriguela
pausa?
não.

H. L. C.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

segredinhos

Paloma
um colo macio
cheiro de alegria e alecrim
senhora de garrafas furtadas de botequim
dessas mulheres boas de cuca
e boas de si
Paloma sempre tem uma frase "espertinha da hora"
lá em seu castelo
onde tem mil vinhos
e mil segredinhos
que pingam gota a gota por aí
e às vezes em mim...

H. L. C.


segunda-feira, 26 de outubro de 2015

a melhor vida!

nunca houve,
em todas as Rússias,
mulher mais mulher
do que Anna Grigórievna Snítkina.
Anna foi a mais amável personagem...
Anna foi a obra mais vigorosa...
Anna foi a melhor vida...
de Fiódor Mikhailovich Dostoiévski.


H. L. C.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

"nouvelle vague"

despedindo-me
de minha terzietà
livre
corriqueiramente livre
ao alvedrio do timbre de tua voz


H. L. C.

sábado, 17 de outubro de 2015

entre laços e cheiros

aí estaremos
mordendo o tempo
comendo o tempo
fazendo o tempo de sapato
as horas certas, simplesmente as horas
a intensidade, mas já sem pressa
sim, certamente aí estaremos
como naquela tua música de Miles Davis
procurando um nosso tempo
espalhados na grama rabiscada de uma praça,
mergulhados entre alfarrábios
de mil vidas instantâneas
todas muito engraçadas
ou fumando encolhidos num cantinho noturno
de um hotel encolhido
aí estaremos
contando histórias
rindo de carambolas maduras
que despencam dos céus

H. L. C.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

minhas horas no mundo

todas as minhas horas no mundo
como ontem
como hoje
serão tuas
porque es tão doce
porque es tão bonita
tão despretensiosamente bonita
que eu já nem preciso de metáforas inúteis


H. L. C.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

tarde bonita

uma casinha
como uma casinha de um romance
de Machado
uma casinha
comezinha
de um rosto delicado
lá onde mora uma flor
enamorada
de um sol de amor

H. L. C.

da série 'de quando minha casa era o teu ateliê'

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

assim, contigo...

diante dos teus olhos grandes e verdes...
da alegria do teu rosto...
dos teus cabelos leves e perfumados...
Deus!, diante dos teus poros...
eu, que nunca medo tive de nomear as coisas...
que sempre fui senhor de imensas vigas de palavras saltitantes...
e rios profundos de tintas e pincéis bravios...
morro de medo de pronunciar para mim mesmo a palavra
aquela palavra tola e imperdoável, 
que me ocorre diante destes teus poros...


H.L.C.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

já lá pelas tantas

A empáfia do verso me aborrece:
ei-lo no meio da noite, prematuro,
qual um projeto de gente apressada por chegar no mundo,
berrando pela cesariana custosa.
eis que urgente faz-se aviar os instrumentos:
pega-se de papel e caneta,
pois o verso, impertinente,
já vem de pés e pernas e tudo pra fora.
e... com tanta agonia cortou-se o cordão umbilical da inspiração
e o sono espalhou-se,
e o poema, de fraquinho,
danou- se.

H. L. C.

entre raimundos e vagabundos

eu queria ter nascido Ricardo Darín
ou Cartola
eu devia ter nascido Salvador Dalí
ou Jamelão
ou Noite Ilustrada
e eis que quase nasci Buda

H. L. C.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

flor despida

quando se deu o meu encontro
com as tuas costas nuas,
fez-se pleno o verão.
tudo pareceu solução...
pontes foram erigidas,
a aurora encheu-se de cores completas,
todos os poemas tornaram-se impressionistas,
as árvores, antes mortas,
voltaram à margem do rio,
perdia o meu medo de rodas-gigantes,
a Sibéria deixou de ser,
tudo volveu
quando toquei em ti.
e lembrei-me de acreditar
que em cada flor
mora um suave Deus
pescando em arroyos...

H. L. C.



pelas gretas

todas as horas contigo:
horas perdidas.
mas, qual o que!:
horas de bem-querer...

H. L. C.

pequena Mary

amor.
costume que deixa a boca torta,
a alma bossa
e a poesia lorota.

H. L. C.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

promessas para Mary

pequena Mary,
nos mudaremos para uma cidade
chamada John Lee Hooker.
Lá, eu lhe darei de presente uma casa
com varanda engraçada
e uma guitarra cravada de verbenias,
bartiras e viridianas.
pequena Mary,
você poderá pintar telas com carros-rabos-de-peixe
e cozinhar lentilhas com azeite.
e sempre estenderemos nossos tapetes verdes
por todo o quarteirão
e passaremos as noites de outono
contando estrelas veganas.
ei, pequena Mary,
nunca deixe de acreditar nos discos de jazz,
eles são como noites macias e picantes.
sabe de uma coisa, pequena Mary?
ETs ainda existem.
e aposto que também eles
aprovam os seus cabelos novos e estranhos.
tenho tantas dúvidas, pequena Mary.
e antigamente eu achava cafona o seu óleo de amêndoas.
pequena Mary,
hoje foi como estar na lona,
não sobraram nem os meus
velhos cigarros.
pequena Mary,
eu não devia lhe dizer, mas,
a John Lee Hooker, ufa!, cidade e tanto...
Vamos logo!, lá, sou amigo do rei.

H. L. C.





domingo, 30 de agosto de 2015

Brasil, idos de setembro do ano n. 13

acordar de manhã
e ir comprar pão quente.
pão, que de francês não tem nada,
pão da gente.
no caminho, estudantes, fruteiros,
gente estridente.
nas bancas, os jornais:
"um Pais sem presidente!"
nas janelas das casas,
um tal de bate-panela e
uma infinidade de placas:
"procura-se um suplente.
Palácio do alvorada,
dieta ravena
e grana lavada."

H. L. C.

agridoce, guardanapos e adoráveis terminações nervosas

Quando não há mais o que dizer...
surge o movimento do olhar,
a pintura discreta das mãos unidas;
os poros guiando os passos à vida;
as calçadas unindo-se às avenidas;
os lençóis em alternância improvisada
e os dias dizem "olá!", talvez mais ternos,
rendidos ao milagre dos lábios
de timbres amáveis.

H. L. C.

sábado, 29 de agosto de 2015

rosas em cor de boca

Há uma menina bailarina,
que desenha rosas imensas, por todos os cantos.
Há um vestido colorido, rasgado de amor.
Há um umbigo pequenino,
de onde se bebe vinho e
garrafetes de conhaque.
Há um mar azul
e o café tem preguiça de acordar...

H. L. C.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

pequenas notas

Teus olhos como a tocar piano.
Cansada e com amor.
Na bolsa, uma garrafa de vinho,
duas novidades e
um filme noir.

H. L. C.

da série 'de quando minha casa era o teu ateliê'

terça-feira, 25 de agosto de 2015

de além cá

A funâmbula estica a corda.
Acorda, a sonâmbula,
com as suas jabuticabas
de pernas brancas,
onde eu plantei lagos e aplausos,
onde havia alfaces e avestruzes,
ali, onde cravou-se uma luneta
cercada de hipopótamos...
A funâmbula,
quer-se dizer,
a sonâmbula,
pariu uma linda girafa
a quem eu denominei "M" de além cá.

da série 'de quando minha casa era o teu ateliê'

H. L. C.

o não querer do verbo

os poemas fáceis
iludem as botas da Paloma
ocultam as botas da Paloma
os poemas fáceis
de grilhões enchem
as faces da Paloma
que não querem verbo
que não querem pensamentos
apenas pipoca, num cantinho secreto
apenas o jazz, dum abraço aberto

da série 'de quando minha era o teu ateliê'

H. L. C.


pincéis e outras coisas sem sentido

o non sense me persegue
o  grilo e a lebre
pingos de fechar a porta
retas
compotas
girassol
milhões de idiomas lá
espanto
o sentido
em circular
espirro

H. L. C.




sexta-feira, 26 de junho de 2015

meu nariz em teus cabelos

Ela veio
delicada e acolhedora
como a folha mais cara do melhor papel
e enlaçou-me
com o seu café expresso espiral
com a sua conversa brejeira ao pé-do-ouvido
com o seu estilo de lady inglesa/tupiniquim
Ah! o que fizeste de mim?
contigo há o perigo das horas calmas
eu contando as pintas peraltas de tuas costas
brincando com as tintas de tua music bossa
deixando-me ser barbeado por suas mãos ensaboadas
lembrando-me de ser gente
curando os meus secretos cortes
assim montando adoidado na garupa da sorte

H. L. C.

Da série "de quando minha casa era o teu ateliê"

os dois

Escrevo em papel de pão
como só antigamente se fazia.
Em papel de pão
Decalco a tua mão
nesta noite quente
e a pego de presente.
A tua voz não preciso decalcar.
Já vive em mim, nestes dias.

H. L. C.

Da série "crônicas incertas de amor"

quinta-feira, 25 de junho de 2015

talvez açúcar

Menina grande
no meio da tarde
tuas doces mãos
envolvem o meu coração
linda assim
com tuas vestes leves
e tuas alpercatas
pacas!
o teu corpo um continente
e eu o teu bandeirante
a explorar o teu sertão
as tuas matas
e os rios que brotam do teu interior
sou mil animais selvagens a cavalgar no teu ventre
sou o "quero-quero" a cantar singelo
a fazer-te contente
menina grande do nome pequeno
talvez amanhã
outra vez deitado no teu colo
plantarei em teu continente
a imprudência da palavra "permanente"

H. L. C.

Da série "crônicas incertas de amor"




Bom e incerto

o sorriso
no rosto desejado e querido
o abrigo encontrado pelas mãos amáveis
no quadril
da amante gentil
a soluçar os olhos fechados em confissão viril
o universo
traduzindo seu infinito
em descargas elétricas
os aromas da natureza
nas formas da beleza
os seios médios
o abdômen reto e comprido
as pernas longas
e os espasmos do quadril gentil
desejado e querido
abrigando
as descargas elétricas em confissão
ao universo

 H. L. C.
Da série "crônicas incertas de amor"

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Assim como mulheres em notas de rodapé

Amores grandes
dão poemas nanicos:
nanopoemas.
Amores-problemas,
esses fodem poemas compridos:
poemaslibido.

H. L. C.

Da série "carbono 14"

bilhete em garrafa

Já fui artista.
Hoje, sou otorrinolaringologista.
Mas também podia ser hipopótamo;
Ou pato;
Ou barco;
Ou tapete persa.

H. L. C.

Da série "meus poemas quase-póstumos"

"arriscoso"

Pobre Arlequim!
Comeu tanto alecrim
que vestiu-se de Pantaleao
e errou a festa...

H. L. C.

Da série "meus poemas quase-póstumos"

quase perto

Esses versos
perversos
são feito a cola
que já não segura
o retrato velho no papel parede

H. L. C.

Da série "meus poemas quase-póstumos"

recorte

Tenho andado em colóquio
com mil mariposas marcianas,
nesta semana.
Trazem-me notícias do povo de Marte,
que em boa parte,
adora chocolate
com conversa fiada
e churros ao doce de leite.

H. L. C.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Garotinha de trinta anos 2

Pálida, mas sensual como Tina Turner aos trinta anos.
Pálida, mas com o sorriso de Tina Turner.
Pálida, mas com o timbre de Tina Turner.
Pálida, mas com as pernas de Tina Turner.
Pálida, uma branca meio que Tina Turner pálida.
Rindo de mim feito uma Tina Turner.
Uma Tina Turner.
Assim, um diabo.
Não sei que diabo ela me faz.
Não sei que diabo ela me fez.
Essa garota pálida.
Uma garota pálida.
Mas, sensual como Tina Turner aos trinta e dois anos.
Essa garota branca. Aqui, ao meu lado.
Com as pernas de Tina Turner.
Como a bagunçar a pontuação do meu texto.
Com essas pernas nuas, suas, de Tina Turner.

P/ Milene.
H. L. C.

olhada em preto e branco

Moça dos lábios finos,
se antes éramos meninos,
agora trintões
já somos,
e em comum apenas restaram-nos
em nossos botões
os pensamentos de quem juntos um dia fomos...
Esses lábios finos teus que outra vez aparecem...
Já não me carecem.
Deles já não careço.
Já não me causam efeito.
E, não obstante todos os nossos defeitos,
moça dos lábios finos,
não temos, tu e eu, tempo para fotos em preto e branco.

H. L. C.

Da série "carbono 14"

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Duas palavras a uma paloma

Há tanta poesia
no gosto do teu sexo,
que eu,
perplexo,
sorrateiramente dobro a esquina da gramática
para escapar de te dizer
palavras que não serão...

H. L. C.

domingo, 21 de junho de 2015

curriculum vitae

Tenho 31 anos.
Sou pobre.
Tonto.
E barato.
Por vezes, palhaço.
Por vezes, me faço.

H. L. C.

at times

tu
tragada
pela garganta-sem-volta
do niagara falls
era um dia de sol
tudo o que sei

H. L. C.

da série 'meus poemas quase-póstumos'

Cigarros na janela do 8º andar

Pensamos juntos em liberdade
Aquela liberdade das cinzas
que se desprendem das pontas dos cigarros
ainda acesas
e arrebatadas pelo vento
desaparecem no ar
para daí voltar
em algum lugar
em fogo vivo

H. L. C.

ponto seguimento

Os olhos da moça
de terninho
azul marinho
constroem um arranha-céu
de sedução
sobre a minha cabeça.
Ai de mim!
Meu terrível medo de alturas...

H. L. C.

Qualquer coisa

Tenho comido
deliciosas sopas de esperança,
agora que aprendi a ter pança.

H. L. C.

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Garotinha de trinta anos

De súbito.
Ela, um súbito.
Uma coelha de pernas longas.
De traços longos.
Pintada em nanquim.

H. L. C.

p/ Milene

Cervejas alemãs e costas rabiscadas

A folha de papel em branco
desabou em pranto
Pois eis que a paloma pequena
Resolveu não voar para Terena
Decidiu ficar
E comprar um pote de doces coloridos
E comê-los todos
como a brincar de ter um marido
Que achasse graça de ela achar graça em gostar de presentear meias coloridas
Pois vestida em meias coloridas
Ela escreveria até centenas de rabiscos
Jogaria o guarda-roupas pela janela
E livrar-se-ia dos duzentos pares de sapatos desconfortáveis
E descobria até quem sabe o agridoce de viver a própria vida

H. L. C.

domingo, 14 de junho de 2015

Quase-inverno

No deitar do sol
ela surge.
Sempre com um
Buquê de coisas para contar.
E eu logo tranco, no meu baú de ferro, toda a matilha de adjetivos que ela provoca.
Salvo-me, assim.
Para mais adiante morrer.
Uma.
E outras vezes.

H. L. C.

mise-en-scene

Tuas pernas nuas
pelas ruas
a contar do filme visto no cinema
do roteiro feito para daí loguinho
uma garrafa de vinho
e tuas argolas já perdidas
no oculto da cama

H. L. C.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Escadaria

No domingo, correremos na praia pela manhã
Mais tarde, a verei maquiar-se para mim
Ela que tem olhos de abelha
Ela que chora perfume
Ela que gosta de viajar de metrô enquanto faz croquis de pontilhismo
Ela que gosta de anúncios publicitários com interrogações
Ela que tem unhas quase pintadas de café
Ela cujos olhos jamais estão monossilábicos

H. L. C.

Don't be afraid of me

De noite, atravessarei os muros de tua casa
E terei tudo de ti
E entenderei mais dos teus olhos
Por que há tanto açúcar neles?
Tu me ensinarás a te despir de todas as peles
Eu atravessarei como nunca os muros de tua casa
E depois, te levarei a passear de barco pelo lago
E não terás medo
Andaremos pela tua cidade cinza
E não permitirei que nada te atropele
Andaremos por todas as ruas
Ruas abarrotadas de carros antigos
As ruas da tua cidade cinza
O que pensas de tua cidade cinza?
Entrarei contigo na pequena igreja do teu povo
Lá onde existe um velho padre parecido com Einstein
E assistiremos comendo pipoca aos casamentos de quinze casais
Depois, chorarei ao teu colo
E pedirei teus afagos
Porque tens muitos afagos
E abraçados nos beijaremos no bosque
E eu voltarei a sorrir
E, já mais tarde, novamente estaremos sobre o lago
E eu sempre irei além dos muros de tua casa
Velarei o teu sono, vestido de cavaleiro medieval
E admirarei teus cabelos soltos partidos ao meio
Enquanto sonhas
Com a tua cidade cinza

H. L. C.



terça-feira, 2 de junho de 2015

Linhas aéreas

Meia noite.
Três garrafas de vinho formam uma orquestra.
Ouve- se "shadows in the night".
Ele (brincando de ser Bob Dylan) - "stay with me".
Ela (cheirando a Janis Joplin) - "piece of my heart".
Sentados no píer, os dois, balançando as pernas no ar.

P/ Paloma
H. L. C.

Da série "meus poemas quase póstumos"

quarta-feira, 27 de maio de 2015

sem título

você e eu:
pleonasmo.

H. L. C.

Instrumento de corda

O que deu-me a vida,
nestes anos insanos?
A calda de um piano,
mas, sem o rosto materno de Brigitte Engerer.

H. L. C.

Da série "meus poemas quase póstumos"

Ao ouvido

Ah! As linhas da vida...
Já se vão carcomidas.
E eu, calado,
Errei todos os caminhos pintados.

H. L. C.

Da série "meus poemas quase póstumos"

Amada Lusitânia

Gostava de a Portugal voltar, quando eu morrer
Olhar e respirar o D'Ouro, ainda uma vez
Os montes, trepado nas vinhas subir e descer
E dos pastos, com o meu rafeiro alentejano buscar uma res

Gostava de na noitinha sentir do pão o cheiro
O jantar e os beijos da velha mãe, sob o candeeiro
Da casa grande, mirar as luzes do Porto adoraria
Alegres cálices de vinho, ali era eu mesmo, sem afasia

Aos anos de Coimbra, gostava de voltar
A cidade dos livreiros, nos meus tempos de mancebo
Onde afogava-me nos enleios das raparigas cruas
Lá onde andava a filosofar com as pedras lisas das ruas
Onde amanhecia em bêbedo pelas escadas nuas
A beleza de tal tempo, tanto a percebo

Gostava de a Portugal voltar, quando eu morrer
De lá ter minha gente ao pé de mim
Correr fagueiro com o meu rafeiro pelo jardim
Gostava de a Portugal voltar, quando acordar

H. L. C.

Da série "meus poemas quase póstumos"

terça-feira, 26 de maio de 2015

De repente 2

O teu quadril
Levei-o a tatuar
As paredes do meu quarto
E sem espanto
Por todos os cantos
Penetraram em ti
As minhas certezas

H. L. C.

De repente

De dentro do justinho terninho,
de fininho,
ela parecia querer mostrar-se.
Cercara-me.
Cercava-me.
E, de passinho em passinho,
a fada Sininho,
comeu-me!

H. L. C.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Poema com ajudinha

Veio o poema
Mas cortou-se ao meio
O poema veio 
Mas no meio do poema 
Veio a Paloma
Fez-se poema
Cortou-me ao meio
E fez-se o poema
Com palmas e tudo

H. L. C. 

De quando se lava manjericão

Todos os relógios do mundo,
nauseabundos,
lançam-me no fundo
de uma espera.

Ainda hoje sonhei contigo.
Naquele inusitado abrigo,
os dois sentados na janela,
esquecidos do mundo,
vagabundos,
comíamos figo
e pintávamos aquarelas.
Hoje, te digo:
Todos os relógios do mundo,
verdugos,
prenderam a Cinderela.

H. L. C


domingo, 24 de maio de 2015

Quem

Essa mulher
De vestido longo até os pés
Toda ela uma canção
Assombra-me qual o vento
Do inverno russo que rasga um trem de uma estação

Essa mulher
Absurda  para além do que és
Desperta-me anseios brutos
pensamentos bentos
Todos muito livres
Flutuando qual o melhor Flaubert

Essa mulher
De bula estranhada
Chama com afã
O dedilhar perpétuo de um Chopin
na carne amada

H. L. C.

sábado, 23 de maio de 2015

um queijo um chá

Um chá
Achamos
Canela
Ela
A me falar
Tagarela
A ensaiar
Um jeito
Um queijo
Marquinha no queixo
Será hoje
No velho bonde
Onde
As quinze
Mas finge
Confusa
Charme
Tarde
E conserta
Os cabelos
E acerta
E resmunga
De botas
Que eu anote
Que eu tenho sorte
Lá estará
Se não chover

H. L. C.

Tácita 2

Lá pelas tantas
E ela me servindo fondue
Era eu quem estava ali
Mas não era eu

H. L. C.

Encuentro al plenilunio

O vento
Abraçando a folha
Contento
Em silêncio
Sem ter o que dizer

H. L. C.

da série 'meus poemas quase-póstumos'

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Uísque e coisas mexicanas

A memória
Qual uma máquina fotográfica histérica
Clicando e armazenando
A vida na intimidade de teus quadris

H. L. C.

Assim

O amor surge com o primeiro palavrão.
Dai em diante,
alea jacta est!

H. L. C

Tácita

O perfume dos passos dela
Desenhando uma rua coberta
Única rua
Desse mini mundo

H. L. C.

5 minutos

Paloma de botas...
Te comporta.
Aonde vais atravessando a rua,
nesta noite torta?

H.L.C

quinta-feira, 21 de maio de 2015

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Queda livre

Me queres frugal,
Serei fugaz.
E numa palavra:
Nem mais uma palavra.
Mão na mão, que tal agora a pracinha?
Vamos alimentar as andorinhas
que vem do norte,
Fagueiras.
E no banco verde madeira,
Vou deitar minha cabeça ao teu colo,
E repetir minha doce sorte:
Olhos nos olhos
A pensar em ti,
A pensar no amor,
Essa tola morte.

H.L.C.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Tic-Tac 2

A velha estradinha de ferro
Parece divertir-se
Em levar-me a esmo
Por essas bestas planícies
No meio da manhã chuvosa

Mas já do outro lado
Na beira montanhosa
Em polvorosa
Espera-me Alice
Nas mãos com mil cestas
De beijos
De dengos
E de santas tolices

H. L. C.

da série 'carbono 14'

Quinta sinfonia de cigarras

Em pequeno
Tinha verdadeiro pavor de adormecer
Tinha medo
De durante o sono
Morrer

Ah quão bobo era eu em pequeno
Tudo que queria era jogar bola e ser Shakespeare
Não via das pessoas o veneno

Em pequeno
Havia em mim um Ser
E dele ouvia estórias pias
Em noites frias
Como esta
Bem por isso
Naqueles tempos
O desejo de viver
existia

H. L. C.

da série 'meus poemas quase-póstumos'

segunda-feira, 18 de maio de 2015

O poeta par lui meme

Vou escrever uma canção
Sobre um amor de perdição.
Da tristeza de um Camilo.
E de uma Ana Plácido, a paixão,
Cujas beleza e coragem vigorosas,
Fizeram jorrar tintas eternas
Das veias do poeta pobretão.
Eis que de tão plácida a Ana
Dobrou o Camilo em amores,
Que já não mais ia de galho-a-galho.
Mas os dois já tem um preço a pagar:
Amores rimam com dores.
E o poeta que das alcovas
Rouba as senhoras dos senhores
Escandaliza o pequeno país,
Passando ao ostracismo,
A pior das masmorras.
Mas afinal, quem cegou o poeta?
O amor?
A literatura?
Cego, não bastou a amada Ana Plácido.
Cego, nem mesmo a literatura. Não havia mais literatura.
O poeta matou-se, par lui meme.

H. L. C

da série 'meus poemas quase-póstumos'

Azeitonas e plic-ploc

De lábios tão rosas
E de jabuticabas tão vivas
Com as quais me olhava
Tinha uma voz magrela-boba-e-ousada
Eu estava ali tão perdido em mim
Mergulhado num uísque doze anos falsificado
Mas não parecia ter cara de coitado
Eu estava rufando rufando
Ela devia estar sapateando
sim acho que ela sapateava
E aquilo era bom
Mas eu estava perdido em mim
E ela sapateava rápido
Parecia que brotavam framboesas
Dos lábios dela eu pensei
Eu não sabia a cor dos seus cabelos
Eu já sabia o seu nome naquele momento
Mas não a cor dos seus cabelos
O que teria ela feito com os cabelos
Eu fingia que tinha passado a me importar
Mas
Eu estava perdido em mim
Bom fiz um esforço homérico
Tentar parecer interessado na cor dos seus cabelos
Devia estar vestida de preto
Certamente estava ela de preto
Afinal pessoas sapateiam de preto
Ora bolas
Seria ridículo alguém não sapatear de preto
Pensei
Mas olhando mais de perto
Quando eu a olhei mais de perto
Quando senti seu hálito
De vinho de maçã pela primeira vez
Notei que trazia algo florido nas roupas
O que achei muito estranho de cara
Alguém sapatear com vestes floridas
Eu tinha um uísque doze anos de origem duvidosa sobre a mesa
E uma mulher que sapateava rápido com olhos de jabuticaba
E lábios de framboesas
Olhando-me com bastante interesse
O nome dela eu já sabia
Ela já me conhecia
Eu estive perdido em mim
Tivemos algo impronunciavel

H. L. C.

Título

Chuva intermitente
Que molha 
Minha alma
E não me deixa esquecer 
Que sou como Camus.

H. L. C.



quinta-feira, 26 de março de 2015

poema tolinho

no natal
dividiremos uma meia
um par de meias
meu bem
que tal
um par de meias
coloridas de bolinhas
coloridas

no natal
compraremos um pote de sorvete
e uma garrafa de rum
meu bem
que tal
macarrão com atum
meu bem
que tal

no natal
desenharemos um cartão de natal
com papai noel
de barbas verdes
meu bem 
que tal
aquela velha canção
aquele velho filme
meu bem
que tal
no natal 


H. L. C.

mulher em notas de rodapé

conheci uma cantora
de cabelos negros
alta e pálida
que toca violoncelo

tão boa de prosa
mostrou-me a sua vida
e já sem despedida
riu-se para mim
contou-me de camarins

confessou-me a cantora
também ser poetisa
que em horas vagas
andou pela Itália
jogando-se da torre de pizza

em versos descalços
disse-me a cantora ter nove vidas
algumas mais fúteis
outras nem tanto sabidas

a cantora tem seus discos
caminha por aí
e vai sempre ao mesmo café
compra ração para o seu gato
irrita-se com a síndica
e dá-lhe uns sopapos
toma sempre chá preto
veste seu xale preto
e já amanhecendo
com seus cabelos negros
pálida
com seus seios gentis
na janela
sob seus cigarros
ensaia
faz sexo com seu violoncelo
a cantora


H. L. C.





terça-feira, 24 de março de 2015

Canção de alpendre (para ser imaginada na voz de Nana Caymmi)

mão na mão
nasce uma canção
sob um velho alpendre
e de alpendre em alpendre
ressurge uma paixão

cor de vida
colorida
fim de tarde
cheiro de fazenda
dois olhos fazendo amor
um coração buscando um coração

a relva já um edredom
quando o antes surge novo
um novo bom
da flor que beija o seu beija-flor
calma e aflita por abraçar
e não mais soltar
o tempo que voltou
embalado numa canção de alpendre

e um amor ao pé de si
quase já vinho jorrando pelas estrelas
são dois numa rima entrelaçada
um amor ao pé de si
quando eles já não forem mais eles
ainda assim
nas estrelas
haverá essa canção sob um velho alpendre



H. L. C.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

blues in NY ou East 42 nd St - Madison Ave

New York!
New York!
New York!
New York!
city plus size...
New York cinza
New York cinza
city plus size!...

Madison Ave
meia noite
orgasmos silenciosos
cidade a nevar
New York
New York
plus size...
plus size, ah, haaa...
plus size, ah, haaa...
city... ah, haaa...
plus size!
city...

H. L. C.

p/ Alice


terça-feira, 27 de janeiro de 2015

jazz para Tereza

Ela me disse: Tereza com "Z"
Ela me disse: Tereza com "Z"
e se eu me risse,
eu iria ver
eu iria ver
eu iria ver
e assim, me fui com Tereza
noite adentro
mas sem luar
e já muito mais tarde
no 5º bar
Tereza bêbada, a filosofar
seu nome Tereza de blá-blá-blá
Tereza Pureza de rá-rá-rá´
e Tereza com "Z"
do 5 º andar
seu vestido paulistano-indiano
a me provocar
seu nariz com "Z"
a me filmar
olha o bar que já fecha
a expulsar
a nova pareja
a resmungar
a resmungar
a resmungar
ruas, calçadas todas com "Z"
o nariz de Tereza
a me cheirar
Tereza 
Tereza
Tereza com "Z"
já toda despida
a despertar...

H. L. C.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

destoante

de mim, 
foste a única parte que desejei guardar.
sim, foste confissão sem perdoar.
um poema nanico,
feito de isopor e pólvora.

H. L. C.

bossa para Marcela

Copacabana,
sob os olhos de Marcela, Copacabana
já não nos basta a Barra, Copacabana
tanta alegria, Copacabana
o meu skate e o dela
na avenida atlântica, Copacabana
às vezes, Botafogo
e já logo, Copacabana
pulinho em Santa Tereza,
comer lá no "Ângelo",
e final de tarde, à noite
Copacabana
teatrinho, Ipanema e zunzun na Lapa
e madrugadazinha, gatelos sat´s, Copacabana
olha o calçadão, Copacabana
são quatro, cinco coqueiros
Copacabana
e os olhinhos negros dela, Copacabana
olha o nu corpo da cinderela,
rua Barata Ribeiro, 
de boteco a boteco,
os dois bacanas
é bater perna, Copacabana
sempre é fevereiro, em Copacabana
de janeiro a janeiro
ainda é fevereiro, em Copacabana...

H. L. C.

p/ Marcela, a fadinha.


domingo, 25 de janeiro de 2015

amantes sob polaroid nº 1

pernas brancas
curvas brancas
brancas ancas
quadris gentis
olhos óculos
desejos ardis
luzes luzes
cabelos veniz
culpa de apelos
pêlos febris
joelhos vermelhos
gemidos sutis
vícios janeiro
vinhos bis
olhos olhos
vozes vozes
coladas chocadas
cabelos barulhos
cama zumbis
coxas brancas
curvas cheiros
doces nariz
uisques cigarros
gemidos quadris
perdidos achados
menino e menina
suave e gris
martelos do tempo
estradas de giz.

H. L. C.

Alguém sob polaroid nº 1

gosto de vê-la enlouquecida,
magra,
injustificada,
de botas longas,
fazendo quermesses
do meu amor.

H. L. C.

amantes sob polaroid nº 2

a textura
de tuas tetas rosadas,
acordadas,
impávidas,
brincando de roçar
o meu olhar
enquanto dormes,
serena,
abraçada a mim.

H. L. C.

mão na mão nº 2

Amapola
que se descola de mim,
roubando-me a madrugada.
que vai embora
levando o corpo suado,
os cabelos molhados,
deixando pra trás
uma cama perdida,
uma alma vendida,
e a porta
meio aberta.

H. L. C.

inventário

es aterrorizante.
tenho medo de ti.
es pavorosa.
morro de medo de ti.
estás sempre a invadir,
a abraçar,
a sonhar,
a perdoar,
a sorrir,
a soluçar.
es assombrosa.
tenho imenso medo de ti.
es como o visgo da jaqueira:
inútil e marcante.


H. L. C.

sábado, 3 de janeiro de 2015

letras da esquina

para onde acenam as mãozinhas morenas
da pequena serena?
para quem brilham os olhos verdes e grandes
da janaína menina?,
que, ao pé do portão,
com seus cabelos lisos e doces
abraçam, demoradamente,
um lapso da vida do poeta...

H. L. C.